O Washington Post floresceu sob a liderança de Jeff Bezos. Desde que ele adquiriu o jornal em 2013, por US$ 250 milhões, o The Post aumentou sua redação com mais 200 pessoas e hoje conta com 900 jornalistas e tem conquistado aplausos e prêmios por sua cobertura, entre outros assuntos, do governo Trump. O jornal possui mais de 1,5 milhão de assinantes digitais e a empresa contabilizou lucros nos últimos três anos.
Mas o jornal entrou num terreno editorial delicado na semana passada quando se tornou parte de uma suposta tentativa de extorsão contra Bezos, tendo ao mesmo tempo de cobrir de maneira independente os fatos envolvendo seu proprietário.
Bezos afirma que o fato de ser proprietário do jornal The Washington Post“complica mais” sua situação. O jornal pode dizer o mesmo com relação a ele.
O drama continha uma ladainha de elementos clássicos de um tabloide que desafiariam qualquer redação – um caso extraconjugal documentado pelo National Enquirer, agentes de polícia com elos com figuras políticas, encontros secretos em hotéis de luxo e mensagens explicitamente sexuais trocadas por meio de celulares –, sem falar que o proprietário do jornal estava no centro da controvérsia.
Um lembrete claro de que Bezos é uma figura pública com enorme riqueza e influência. É o homem mais rico do mundo graças a seu comando da Amazon, empresa que se insere cada vez mais na vida cotidiana das pessoas, seja por meio das suas operações de comércio eletrônico, como também as de entretenimento ou seus numerosos depósitos em todo o país que empregam centenas de milhares de pessoas.
Seu projeto pessoal, Blue Origin, descreve sua missão como “a criação de uma estrada para o espaço para nossos filhos construírem o futuro”.
Com sua postagem em um blog dando detalhes da extorsão na semana passada, Bezos agora se tornou um comentarista influente da Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Afirmou que era uma resposta contra supostas táticas que não têm lugar no jornalismo, ao passo que a Enquirer alega que ele quer amordaçar uma publicação porque sua cobertura o constrangeu.
A página do editorial do The Post claramente se posicionou ao lado do seu proprietário. Na sexta-feira, um dia depois de Bezos publicar sua postagemno blog, o jornal publicou editorial elogiando-o por expor “um insidioso modelo de intimidação e corrupção disfarçado de jornalismo”.
A situação no seu todo “irá testar Marty Baron e Jeff Bezos”, escreveu Kyle Pope, editor e proprietário do The Columbia Journalism Review em um e-mail, referindo-se ao editor executivo do The Post. Bezos “ate agora tem uma boa reputação, mas a verdade é que ele vai ter de aprender as regras do jornalismo num momento muito estressante e complicado”.
Baron não atendeu a um pedido de entrevista, mas enviou a seguinte declaração: “Jeff nunca se envolveu com nossas reportagens. As pessoas acham que deve ser difícil fazer uma cobertura sobre ele ou a Amazon. Mas estamos há cinco anos e meio sob sua liderança e ele nunca interferiu de nenhum modo”.
O confronto entre Bezos e o The Enquirer começou no mês passado quando o tabloide publicou matéria expondo seu caso extraconjugal com uma personalidade da televisão, Lauren Sanchez. Bezos revidou com uma postagem no Medium, plataforma online aberta. Acusou David Pecker, o chairman da empresa matriz do The Enquirer, American Media Inc. de, por meio de intermediários, ameaçar publicar fotos de Bezos se ele não anunciasse publicamente que a reportagem sobre seu caso não era politicamente motivada.
O The Post tradicionalmente tem por foco a capital do país, com menos recursos devotados à cobertura de empresas. Isso começou a mudar. O jornal informou há pouco tempo que dobraria para 25 o número de jornalistas dedicados a cobrir o Vale do Silício, incluindo um em Seattle que se concentraria na Amazon.
O jornal publicou um longo artigo em cinco de fevereiro sobre a reportagem do Enquirer sobre Bezos. Citou Gavin de Becker, chefe da segurança dele , que teria afirmado que a falta de provas da infidelidade de Bezos para o The Enquirer era “politicamente motivada” e o objetivo era constranger o executivo porque ele é proprietário do The Post. O jornal acompanhou agressivamente as revelações sobre a vida privada de Bezos.
E-mails da American Media, que Bezos incluiu na sua postagem, referiam-se a artigo no The Post e exigiam que ele e o jornal desistissem de quaisquer declarações ou sugestões de que a política teve algum papel na reportagem sobre o caso dele com Lauren Sanchez.
Baron disse que o jornal não mudou seu enfoque. Que conversa com Bezos sobre “estratégia” a cada duas semanas, mas que nas suas conversas não se tocou na reportagem do The Enquirer.
“Como eu sei muito bem que ele não deseja interferir não é difícil fazer uma cobertura dele e da Amazon”, disse Baron no seu comunicado. “Em todos esses anos, desde que ele se tornou proprietário do jornal, não houve nenhuma notícia de que estava exercendo influência, explicita ou implicitamente, sobre nosso trabalho de cobertura.”
Frederick J. Ryan Jr, diretor executivo do The Post, manteve a mesma opinião, afirmando em um comunicado que Bezos não teve nenhuma participação no editorial em que sua postagem foi elogiada.
“Jeff sempre deixou claro que espera que o The Washington Post trabalhe com total independência, tanto na cobertura das notícias como nos editoriais, e que ele e suas empresas sejam tratados como qualquer outra pessoa ou companhia. Nós sempre mantivemos essa posição, sem vacilar", afirmou. / Tradução de Terezinha Martino