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'A política econômica é em grande medida a política de saúde pública', diz economista

Entre os dados negativos do PIB do segundo trimestre, Armando Castelar chama atenção para o aumento de 15,5% na poupança, o que, segundo ele, é um indicativo de que a recuperação poderá ser acelerada

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Por Márcia De Chiara
Atualização:

SÃO PAULO - Em meio a tantos números negativos da atividade no segundo trimestre e ao resultado sem precedentes do Produto Interno Bruto (PIB), que registrou queda de 9,7% entre abril e junho ante o trimestre anterior, o economista Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), chama atenção para aumento da taxa de poupança. Com as pessoas confinadas em casa, a poupança subiu para 15,5% como proporção do PIB no segundo trimestre deste ano, superando os 13,7%, registrados no mesmo período de 2019.

Isso revela, segundo o economista, que o consumo não ocorreu pela falta de renda, mas porque os brasileiros não estão saindo de casa. Potencialmente, diz, é um indicativo de que a recuperação poderá ser acelerada, se houver uma melhora na saúde pública. “A política econômica é em grande medida a política da saúde pública”, afirma Castelar. O espaço para o governo agir é acelerar a redução dos casos de covid-19 e, quanto mais rápido fizer isso, a economia voltará a se recuperar.

O economista Armando Castelar, do Ibre/FGV. Foto: Fabio Motta/Estadão - 5/4/2019

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A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia o resultado do PIB do segundo trimestre?

O resultado foi terrível, totalmente sem precedentes em relação às séries estatísticas que temos. Veio pior do que se imaginava. Nós, do Ibre, trabalhávamos com uma queda de 8,8% e o mercado com algo mais perto de 9%. Os 9,7% foram piores do que se esperava. Nesse sentido, foi o insulto em cima da injúria. O que surpreendeu foi o resultado do governo, da administração pública na parte da oferta e da demanda. Todo mundo esperava uma queda pequena, afinal de contas a saúde pública foi bastante ativa nesse período. Mas o resultado foi bastante negativo. Vamos ter que olhar com mais cuidado, porque os dados do IBGE não detalham. Transporte caiu também bastante: 19,3% em relação ao primeiro trimestre e, em relação ao ano passado, 20,8%. A expectativa era de uma queda na faixa de 14%. Surpreendeu negativamente. Acho que essas são as duas explicações de porque o número veio pior do que o esperado. O PIB só não caiu mais porque a demanda externa aumentou na comparação anual 2,8%. Se não fosse isso, o PIB ao invés de ter caído 11,4% ante o mesmo trimestre de 2019 teria recuado 14%. E o agronegócio ajudou. Os preços das commodities lá fora estão num bom patamar e isso vai continuar ajudando o setor agrícola. A tendência é que a renda dos exportadores tenha um bom resultado este ano

Com esse resultado, qual é sua projeção para o ano?

Eu estava mais otimista, trabalhando com uma queda de 4,5% no ano. Agora projeto queda de 5%. A revisão do PIB do primeiro trimestre, de -1,5% para -2,5%,foi uma notícia adicional ruim. Em março, em particular, a queda foi bastante forte. Abril foi muito profundo. Maio subiu um pouquinho e junho subiu mais. A média é de coisas muito diferentes: queda muito forte em abril, uma pequena elevação em maio e uma elevação mais forte em junho. Essa crise é diferente de outras, com o desemprego muito alto, o consumo das famíliasmuito reprimido. Particularmente, como as pessoas estão dentro de casa, não têm ido ao restaurante, shows. Um dado que me chamou bastante atenção foi a alta da poupança. A poupança subiu porque o consumo caiu mais do que a renda. Isso se observa muito claramente na Europa e nos Estados Unidos. Com as transferências de rendas e tudo mais, as pessoas não consumiram. O que mostra que o consumo não ocorreu porque faltou renda. A queda no consumo ocorreu porque as pessoas não estão saindo para consumir.

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O fato de a poupança ter aumentado é um sinal positivo?

Potencialmente, sim, porque significa que as pessoas têm recursos para consumir no futuro. Isso poderá acelerar a recuperação. As pessoas estão começando a comprar imóveis, por exemplo. Se houver uma melhora na saúde pública, as pessoas têm recursos para sair consumindo.

Na sua avaliação, está ocorrendo, de fato,uma recuperação nos últimos meses?

Sim, melhorou a expectativa do mercado porque o auxílio emergencial, que inicialmente que ia até junho, teve mais duas parcelas. Agora foi estendido até o final do ano, com R$ 300. Nos dados mensais, a venda de eletrodomésticos está crescendo muito. O comércio está se recuperando em relação ao mesmo mês do ano anterior. Onde está mal é a venda de automóveis, compras que são mais difíceis de serem feitas pela internet. Além disso, toda a parte de serviços pessoais. O dado de serviços das famílias veio muito negativo e continua bastante afetado pela pandemia. Você já vê aumento do consumo, a produção industrial crescendo, tentando sair do fundo do poço. O comércio conseguiu chegar à superfície, a indústria está perto. Nesse sentido, estou mais otimista em relação ao terceiro trimestre, até porque a base de comparação é muito pequena, com toda essa queda.

O sr. acredita que o PIB do terceiro trimestre virá forte em relação ao segundo?

Sim. Gostaria de enfatizar que tudo isso está condicionado à pandemia. Se houver uma segunda onda, pode piorar. Mas, se houver uma vacina, vai ter um boom.A tendência é que a gente continue escalando esse poço profundo. Acredito que o terceiro trimestre deve crescer alguma coisa na faixa de 6% sobre o segundo.

Quanto tempo vamos levar para voltarmos ao nível pré-pandemia?

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Vamos voltar para o nível pré-pandemia só em 2022.

Vamos sair da recessão antes disso?

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De acordo com a definição de recessão técnica, de dois trimestres seguidos de queda do PIB, nós já saímos, porque no terceiro trimestre teremos expansão. O comitê de datação de ciclos econômicos olha isso, mas também vai olhar o emprego e outras coisas que caracterizam recessão. Daí a pergunta é mais difícil. Tanto no Brasil quanto em outros países, o emprego está muito ruim. O emprego está demorando muito para reagir.

O sr. acha que o emprego vai demorar para se recuperar?

Sim e isso não é só aqui. Também em outros países o desemprego aumentou bastante. Principalmente nos setores de serviços pessoais, cabeleireiro, restaurante, médico, escolas. Setores em que há um contato pessoal direto entre o cliente e o prestador de serviço sofrem mais e eles empregam muita gente. Os setores que vão se recuperar bem é o comércio eletrônico, indústria de transformação, construção imobiliária. Agora o setor de serviços é bastante complicado e o setor de transporte também.

Como o sr. vê esse dilema: a concessão do auxílio emergencial que ajuda a economia no curto prazo, mas retira o ímpeto de crescimento no médio prazo por causa do aumento do endividamento público?

Esse é um imperativo que está colocado a todos os países. Existem três situações. Há países que têm dívida pequena e têm espaço fiscal para gastar mais por mais algum tempo, como a Coreia do Sul.Outro caso é de países com dívida alta, mas com muita gente que vai comprar, caso dos Estados Unidos. A tendência dos EUA é continuar com posição fiscal relaxada.A situação do Brasil é ruim porque já tem uma dívida muito grande. Então, não temos aliberdade que têm a Coreia do Sul e a Alemanha para gastar. O que o Brasil poderia fazer é redirecionar o gasto para as pessoas mais pobres e fazer uma rede de proteção social. Os mais pobres gastam uma parcela muito grande da renda e isso ajudaria a impulsionar o consumo. É preciso focar melhor o gasto do auxílio emergencial para as pessoas de renda mais baixa e olhar também para outras políticas. Por exemplo, acho que é uma boa hora para rediscutir subsídios para empresas. Existem muito gastos que não contribuem para manter a economia andando. Não são gastos prioritários neste momento. Qualquer coisa fora disso vai gerar aumento dos juros e preocupação da situação fiscal a médio prazo.

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O governo tem poucos instrumentos para minimizar essa recessão?

Sim. O que ele precisa fazer é retroceder a pandemia o mais rápido possível. Com isso, as pessoas que não estão consumindo por problemas sanitários, saempara consumir, gastando a poupança acumulada. A solução é cuidar da pandemia. Quanto mais rápido fizer isso, mais rápido volta a saúde privada, a educação privada, o consumo de serviços. A política econômica é em grande medida a política da saúde pública. Quanto mais rápido agir na saúde pública, mas rápido a economia volta a se recuperar.

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