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A recessão federativa

Por Paulo R. Haddad
Atualização:

À semelhança do governo norte-americano, as autoridades econômicas do Brasil, em algum momento neste segundo semestre, poderão ter de estabelecer com as Secretarias da Fazenda alguma forma de cooperação a fim de ajustar as finanças estaduais para compensar os estragos que o avanço da recessão econômica lhes está impondo. Um dos pontos positivos do programa de estabilização do Plano Real foi o reordenamento das finanças públicas estaduais, particularmente com o equacionamento da questão do seu endividamento, até então descontrolado e irresponsável do ponto de vista fiscal. Em razão dos ajustes realizados, os Estados têm dado uma expressiva contribuição para formar os superávits primários no País. É fundamental, pois, que se preserve um nível adequado do equilíbrio fiscal nos Estados, sob pena de ocorrer no Brasil o que se observa na Argentina, onde quase todas as províncias se estão endividando pesadamente para financiar os déficits gerados pelas consequências da crise financeira. Isso significa, na prática, que aquele país passa novamente a construir esqueletos financeiros, comprometendo sua credibilidade e solvência no médio prazo. A recessão econômica mundial é transmitida para as finanças públicas estaduais por três mecanismos. A diminuição no ritmo da atividade econômica no País reduz as fontes tributárias que formam os fundos constitucionais e infraconstitucionais de participação e de compartilhamento do governo federal em benefício dos Estados e municípios. A desoneração fiscal de tributos federais para estimular setores-chave da economia nacional em apuros com o quadro recessivo é um elemento adicional a reduzir as fontes alimentadoras desses fundos. Em segundo lugar, em maior ou menor grau, dependendo das características de sua base produtiva, as próprias economias estaduais são impactadas pela queda no seu produto interno bruto e consequente redução na arrecadação de impostos e taxas de sua competência específica. O comportamento diferenciado dos ciclos econômicos estaduais se deve a fatores estruturais (grau de especialização ou de diversificação produtiva) ou a fatores diferenciais (grau de dinamismo empresarial e de modernização competitiva). Mas, quanto mais se prolongar e se aprofundar a recessão, externa e internamente, mais essas características específicas da base produtiva de cada unidade da Federação vão perdendo sua importância relativa. Finalmente, um poderoso mecanismo de transmissão dos impactos da recessão sobre as economias estaduais se dá pela mudança dos preços relativos dos bens e serviços que compõem a sua base produtiva. A deterioração dos preços relativos de determinadas commodities pode ser vital para explicar o comportamento da receita estadual nos Estados com elevado grau de especialização produtiva nessas commodities. E essa deterioração vem ocorrendo de forma intensa enquanto a economia mundial busca um novo patamar de crescimento econômico. O que fazer? Inicialmente, é preciso conhecimento em profundidade sobre as finanças públicas de cada unidade da Federação, para evitar que, em nome da crise, governos estaduais transfiram para a sociedade brasileira como um todo a conta da farra dos aumentos de seus custeios resultantes de um populismo fiscal. Por outro lado, em alguns Estados, a própria intensificação dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) neles localizados é a melhor e mais eficiente política de defesa de seu nível de renda e emprego. Enfim, é possível equacionar muitos problemas fiscais de inúmeros Estados por meio de negociações ad hoc dentro do próprio espaço decisório do Tesouro Nacional, sem prejuízo do reordenamento fiscal conquistado nos anos 90. A quase totalidade das unidades da Federação está desprovida de instrumentos econômicos e mecanismos institucionais que possam ser acionados como contraposição às mazelas econômicas e sociais típicas de um contexto histórico recessivo. É indispensável, pois, que o governo federal abra canais de negociação eficazes em termos fiscais e financeiros, para que os governantes estaduais possam enfrentar essas mazelas sem ter de recorrer aos erros da irresponsabilidade fiscal de um passado não muito distante. A abertura desses canais não dispensa o esforço endógeno das administrações estaduais para melhorar sensivelmente a produtividade dos recursos humanos e materiais que comandam. Paulo R. Haddad, professor do IBMEC/MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco

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