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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|A reforma e a batalha da comunicação

O déficit da Previdência é estrutural e tem como causas principais o envelhecimento da população mais a redução da população jovem e o grande aumento do trabalho por conta própria

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Atualização:

As questões técnicas sobre o que deva ser uma reforma sustentável da Previdência são suficientemente conhecidas pelos especialistas. Falta equacionar sua viabilidade política – assunto analisado nesta quinta-feira – e falta equacionar a estratégia da grande batalha de convencimento, da população e dos políticos, inevitável nessa empreitada.

Batalha de convencimento implica comunicação competente, área em que o governo vem apresentando notórias deficiências, seja por falta de coordenação, seja por despreparo. 

Atualmente, há 1,55 milhão de benefícios em análise. Segundo o INSS, 615 mil benefícios dependem de análise do órgão. Foto: Jadson Marques/ESTADÃO

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Essa comunicação tem de começar pelo desmonte de uma fieira de inverdades e de mistificações espalhadas por aí pelos sabotadores da reforma.

Não é verdade, por exemplo, que o déficit é temporário, fruto da recessão que achatou salários e contribuições. O déficit é estrutural e tem como causas principais o envelhecimento da população (portanto, de mais tempo de aposentadoria) mais a redução da população jovem e o grande aumento do trabalho por conta própria (que reduzem as contribuições para o sistema). 

Também não é verdade que a reforma vai matar os velhinhos. Não haverá mudanças no estoque de benefícios, a não ser nos segmentos claramente distorcidos daqueles que se locupletam com várias aposentadorias ou que fraudaram suas contas. Além disso, a reforma beneficia a maior parte da população, especialmente os mais pobres, que terão um benefício médio equivalente ao que já têm hoje.

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Outra mistificação é a de que aumento do limite de idade irá produzir uma situação em que as pessoas não terão outra saída senão trabalhar até morrer. Errado. A expectativa de vida, que hoje já ultrapassa os 76 anos no Brasil é medida ao nascer. A expectativa de vida de quem chegou aos 65 anos, a idade que poderá vir a ser a mínima exigida para aposentadoria, ultrapassa no Brasil os 85 anos para a mulher e os 82 anos para o homem (veja o gráfico acima). 

Há quem afirme que bastaria aumentar a arrecadação ou cobrar os R$ 488,4 bilhões em contribuições que as empresas deixaram de pagar ao INSS para acabar com o rombo e, assim, resgatar o sistema. O aumento da arrecadação exigiria disparada da carga tributária, hoje excessiva. Sobre a dívida das empresas, o que dá para dizer é que a maior parte é incobrável. É formada por empresas que já quebraram, como a Varig, a Transbrasil e a Vasp, as três listadas entre os cinco maiores devedores (veja tabela). Outras parcelas dessa dívida ou têm seus pagamentos suspensos por decisão judicial ou estão sendo pagas parceladamente. Afora isso, mesmo que fosse cobrável, toda a dívida resgatada cobriria o rombo do sistema de apenas dois anos. 

O segundo enfoque de uma comunicação competente com a sociedade precisa demonstrar que as novas condições para aposentadoria (por exemplo, aumento do limite de idade e aumento do tempo de contribuição) não prejudicarão o trabalhador. Nas atuais condições, o sistema previdenciário brasileiro é inviável, porque está quebrado. Se as atuais regras se mantiverem, a aposentadoria deixará de ser paga, como já acontece em alguns Estados da Federação. Portanto, a reforma pretende tirar o sistema da beira do precipício e, assim, beneficiar o trabalhador. E é isso que tem de ser explicado para a população que até agora só ouviu a mensagem dos corporativistas e daqueles que não têm nenhum compromisso com os netos e os que virão depois deles. Por fim, não basta explicar e esmiuçar argumentos técnicos. A grande batalha de comunicação não vai ser travada no campo da lógica, embora esta também seja necessária. Até entre os políticos, será travada no campo da emoção, por meio das redes sociais, onde a mistificação e as fake news são mais difíceis de ser desmontadas. 

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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