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A reforma foi ferida de morte

Por Ribamar Oliveira e email: ribamar.oliveira@grupoestado.com.br
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A Contribuição Social para a Saúde (CSS), aprovada na semana passada pela Câmara dos Deputados, coloca em xeque o novo desenho do sistema tributário brasileiro proposto pelo governo ao Congresso Nacional. Um dos objetivos principais da proposta de reforma tributária era acabar com a incidência cumulativa dos impostos. Desconsiderando tudo o que tinha anunciado e pregado ao longo dos últimos meses, o governo apoiou a iniciativa de sua base política de recriar o imposto sobre os cheques, que é o mais cumulativo dos tributos. A CSS afeta também outro pilar da reforma. Ao apresentar a sua proposta, o governo garantiu que a União não ampliaria sua participação no bolo tributário. O fato é que, ao mesmo tempo em que negocia uma reforma tributária "neutra" do ponto de vista da redistribuição das receitas, o governo incentiva a sua base política a aprovar a CSS, que, na prática, representa um avanço da União sobre a base tributável. É impossível desconsiderar esse fato durante as negociações da reforma tributária. O relator da proposta de reforma tributária, deputado Sandro Mabel (PR-GO), pensa de forma diferente. Para ele, a criação da CSS só vai interferir na votação da reforma tributária se a oposição "quiser usar o novo tributo como argumento político". O relator prefere manter distância do debate em torno da criação da CSS, que, embora tenha passado na Câmara, ainda será apreciada pelo Senado e, se aprovada, também terá sua constitucionalidade analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mabel garantiu que a CSS não constará de seu parecer sobre a proposta de reforma tributária. "Não sei nem do que se trata", afirmou, em conversa com este colunista. "Preferi não votar quando esse novo tributo foi apreciado pela Câmara, para não tomar qualquer partido", disse. Mabel quer tratar a reforma tributária independentemente da criação ou não desse novo tributo. Mas isso é possível? O texto em defesa da reforma tributária, elaborado pelo Ministério da Fazenda, diz que o principal objetivo da proposta é racionalizar o sistema tributário brasileiro para, dessa forma, ampliar o potencial de crescimento do País. Um dos principais problemas apontados é justamente o das incidências cumulativas, nas quais o imposto pago em uma etapa da cadeia produtiva não gera crédito para as etapas seguintes, resultando em uma série de distorções na economia. Entre essas distorções, o Ministério da Fazenda cita a organização ineficiente da estrutura produtiva, o aumento do custo dos investimentos e das exportações e o favorecimento das importações. O diagnóstico da Fazenda é que, mesmo com os avanços recentes, ainda há uma série de tributos cumulativos no sistema tributário brasileiro, tais como a Cide-combustíveis e o Imposto sobre Serviços (ISS). Mesmo no caso de tributos não-cumulativos - como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) -, parte dos bens e serviços utilizados pelas empresas não geram créditos, onerando os investimentos e as exportações. O Ministério da Fazenda estimou que a incidência cumulativa ainda remanescente na economia brasileira alcança quase 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Para a área econômica, o problema é ainda maior, pois alguns setores e categorias de empresas mantiveram a tributação do PIS/Cofins pelo regime cumulativo. O Ministério da Fazenda observa que não é possível calcular o impacto dessa distorção. Qual será o impacto da incidência cumulativa da CSS, cuja criação o próprio governo estimula? Na defesa de sua proposta, o governo garantiu que a reforma tributária não elevaria a carga tributária. Para garantir que as mudanças na estrutura tributária decorrente da reforma não venham a prejudicar os contribuintes, a proposta do governo traz um dispositivo, a ser regulamentado por lei complementar, que assegura que não haverá aumento da carga tributária em decorrência da criação do IVA-F e do novo ICMS. Mas como compatibilizar a reforma com a criação da CSS, que eleva a carga tributária? O novo modelo de sistema tributário proposto pelo governo já está sendo alterado pelo entendimento de boa parte dos integrantes da Comissão Especial da Câmara que analisa a proposta de reforma tributária, de que é importante manter a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), cobrada sobre os combustíveis. A Cide-combustíveis seria uma das quatro contribuições a serem extintas que dariam origem ao IVA-F. O presidente da Comissão Especial, deputado Antonio Palocci (PT-SP), ex-ministro da Fazenda no primeiro mandato do presidente Lula, considera importante manter a Cide como um tributo regulatório, da mesma forma que o Imposto sobre Importação (II), Imposto sobre Exportação (IE) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Há preocupações também com o aumento da sonegação na área de combustíveis, com o fim da Cide. Palocci é apoiado por outros deputados que fazem parte da Comissão Especial. Se a Cide-combustível permanecer, o IVA-F substituirá três contribuições. Mas outra contribuição cumulativa, a CSS, será criada. A reforma é mesmo para o quê?

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