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A reforma tributária do governo é a modernidade

Criação da CBS não se trata só de reformar o PIS e a Cofins, mas da introdução de um IVA moderno

Por Ernesto Lozardo e Melina de Souza Rocha Lukic
Atualização:

“É a política que dita o ritmo das reformas.” Assim o ministro Paulo Guedes iniciou a sua fala após a apresentação da proposta de criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) ao Congresso Nacional. A política dita não só o ritmo das reformas, mas também o seu desenho. Muitas vezes, o modelo pode não ser o mais perfeito do ponto de vista técnico, mas o necessário para que as reformas sejam possíveis.

A criação da CBS, nos moldes de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), merece aplausos por diversos motivos. Iniciar a reforma tributária pelo nível federal é a estratégia política mais acertada, tendo em vista todo o conflito federativo para a aprovação de um IVA nacional. Tal como defendemos na proposta de IVA dual formulada no Ipea em 2017, o processo de reforma deve ser feito por etapas. A adoção de um IVA federal facilita a aprovação, servirá de modelo para um futuro IVA/IBS nacional ou IVA estadual criado somente no âmbito dos Estados e municípios e, principalmente, sai da estratégia do “tudo ou nada” que tem prevalecido nas tentativas de reforma nos últimos 30 anos.

A manutenção da desoneração da cesta básicaé um dos pontos negativos da reforma. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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O governo quer aprovar a CBS em regime de urgência e, paralelamente, apoiar o IVA nacional proposto pelas PECs 45 e 110 em trâmite no Congresso. Tal como afirmado por José Tostes, a CBS não é incompatível e pode ser muito bem incorporada às PECs caso se chegue a um consenso em torno de um IVA único. Entretanto, o secretário também afirmou que ainda existem muitos pontos críticos a serem negociados com Estados e municípios. Entre eles, o modelo de governança compartilhada da Agência Tributária Nacional (ATN), criação de fundos de desenvolvimento regional e de compensação das exportações, além da definição das alíquotas de cada ente. Essas questões são extremamente conflituosas e podem impedir a aprovação do IVA/IBS nacional. Neste caso, a solução seria, tal como na proposta do Ipea, transformar as PECs 45 e 110 num IVA estadual (abrangendo somente o ICMS e ISS) e manter a CBS no nível federal, criando assim um modelo de IVA dual.

A criação da CBS não se trata só de uma reforma do PIS e Cofins, mas da introdução de um IVA moderno que segue as melhores práticas internacionais, tais como base ampla e não cumulatividade plena. Além disso, a proposta promove uma simplificação drástica das regras e das obrigações acessórias, o que reduzirá os custos de conformidade para as empresas e despesas administrativas do Fisco, além de todo o litígio decorrente da complexidade dos atuais PIS/Cofins.

Merece destaque, ainda, a incorporação das recomendações da OCDE quanto às operações da economia digital, como a criação de um sistema simplificado de arrecadação para fornecedores não residentes e responsabilidade de plataformas digitais. Por fim, a entrada em vigor 6 meses após a publicação da lei é também positiva e muito distante dos tão criticados prazos de transição previstos nas PECs.

Dois pontos são, entretanto, negativos na proposta: a manutenção da desoneração da cesta básica e a alíquota de 12%. Inúmeros estudos econômicos demonstram que a tributação da cesta básica, aliada a um sistema de devolução de créditos do imposto às famílias de baixa renda, é mais eficiente e tem mais potencial de reduzir as desigualdades (já que a desoneração beneficia os mais ricos). Uma vez adotada a desoneração, o custo político para revertê-la vai ser enorme ou impraticável. Por fim, apesar da garantia de que não haverá aumento de carga tributária, uma alíquota fixada em 12% deixa pouca margem para Estados e municípios, tendo em vista a alíquota total estimada de 25% para um eventual IVA único e o fato de que estes entes não têm a mesma capacidade de endividamento que o governo federal para fazer face à crise atual.

A avaliação da proposta da CBS deve ser positiva e, sobretudo, otimista. A questão dos Estados e municípios vai continuar sendo discutida. Enquanto isso, já teremos uma contribuição nos moldes de um IVA moderno, o que certamente já é um grande avanço em termos de reforma tributária nos últimos 30 anos.

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*RESPECTIVAMENTE, PROFESSOR DE ECONOMIA DA EAESP-FGV, EX-PRESIDENTE DO IPEA, E ADVOGADA E DIRETORA DE CURSOS NA YORK UNIVERSITY – CANADÁ