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A saga dos biocombustíveis

Por Antônio Márcio Buainain e José Maria da Silveira
Atualização:

Aos poucos o País começa a colher os frutos do longo processo de estabilização e de uma política econômica que, embora falha em muitos aspectos, tem o grande mérito da continuidade e da sensatez. A estabilidade abriu espaço para os efeitos positivos de políticas redistributivas, antes anulados pela inflação, e para o acesso de milhões de famílias aos benefícios do crédito; em que pese certa insegurança e indefinição institucionais em áreas relevantes - alimentadas por declarações e políticas desencontradas de autoridades sobre o papel do Estado e do setor privado, política fiscal e regras do jogo democrático e econômico -, os investimentos estão subindo e a percepção da maioria da sociedade é a de que o País está entrando em um novo ciclo de desenvolvimento duradouro. O último relatório da Unctad apresenta uma visão bem mais favorável do Brasil, posicionado em quinto lugar em termos de atratividade para investimento internacional. O fato é que a situação atual da economia brasileira põe em evidência suas potencialidades, capacitação e debilidades competitivas. O agronegócio é um dos segmentos que mais têm atraído interesse, que se traduz em aquisições de terras para produção de bioenergia, investimentos em modernização de várias cadeias produtivas e logística, fusões e reestruturação dos grandes grupos. Também tem atraído críticas que partem de várias forças sociais, desde a anacrônica Via Campesina até organizações preocupadas com questões ambientais e sociais. Anos de aumento da produção agrícola sem o correspondente aumento da área cultivada resultaram na percepção de que seria possível utilizar fontes renováveis de energia para um triplo objetivo: segurança energética, redução do impacto ambiental, causado pela emissão de gás carbônico na atmosfera, e desenvolvimento econômico. O Brasil, com a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, destaca-se por ter o maior potencial para explorar esse milionário negócio. As fontes alternativas à cana-de-açúcar, desenvolvidas nos EUA e na União Européia, como o switchgrass e o miscanthus, se revelam apenas "promessas" de longo prazo. Todavia não custa lembrar que o mundo gira, e numa velocidade cada vez mais rápida, e que a vantagem de hoje não é garantia de sucesso amanhã, já que pode ser anulada tanto por inovações tecnológicas como pelas políticas nacionais dos países desenvolvidos, e até mesmo pelas forças sociais, cujo poder de determinar os rumos do negócio não pode ser negligenciado. O governo dos EUA vem estimulando a produção de etanol a partir de milho e, em 2006, a meta de transformar em energia 20% da produção foi alcançada, contribuindo para reforçar a elevação do preço dos alimentos - muito mais o resultado do ciclo longo de expansão da economia internacional do que da produção, ainda inicial, de bioenergia. Produzir energia a partir de milho em um país como os EUA, que pode subsidiar a produção, tem algum sentido: absorve excedentes, atende aos interesses dos agricultores e ainda conquista a simpatia imediata dos consumidores de renda elevada, que podem continuar queimando ecocombustível de consciência mais tranqüila e têm condições de absorver a alta do custo de vida em alimentos. Mas com isso os EUA ativaram o gatilho que mobilizou o chamado "poder popular" contra a produção de energia a partir de fontes renováveis, que contribuiria para aumentar a fome do mundo. Da mesma forma que com os transgênicos, os ataques deste segmento se dirigem contra o agronegócio que se transformou no Judas do capitalismo. Os riscos de turbulência, no que parece céu de brigadeiro, existem e precisam ser incorporados por produtores e governo na definição de estratégia produtiva e de marketing. É preciso ação e prevenção para conter as críticas que partem de interesses difusos, desde dos europeus, que buscam proteger os privilégios da política agrícola e da elevada proteção comercial, até daqueles que de fato se preocupam com o meio ambiente. Cada deslize ambiental será utilizado por aqueles que já desencadearam, por suas políticas apressadas, a crítica ambientalista. No front externo, temos de garantir que seremos capazes de oferecer aquilo que prometemos. A tríplice coroa existe, mas, como na copa de futebol feminino, talento e improvisação não são suficientes. *Antônio Márcio Buainain (buainain@eco.unicamp.br) e José Maria da Silveira (jmsilv@eco.unicamp.br) são professores do Instituto de Economia da Unicamp

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