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A terra onde o ''boom'' não termina

Demanda por minério de ferro mantém a economia da Austrália aquecida

Por Norimitsu Onishi , TOM PRICE e AUSTRÁLIA
Atualização:

"Desaceleração global?" Larry Softley, funcionário do governo de Tom Price, na Austrália, responde ironicamente: "Não sentimos nenhum impacto dela. Aqui, os negócios continuam como sempre." Os dois hotéis da pequena Tom Price estão sempre cheios, sendo preciso reservar um quarto com semanas de antecedência. Suas casas modestas, estilo de fazenda, algumas parecendo pequenas diante das suas elegantes palmeiras, ainda são vendidas por cerca de US$ 370 mil - embora, hoje, nenhuma esteja à venda, nem disponível para locação. A Austrália, com seus recursos naturais abundantes, vem enfrentando a Grande Recessão melhor do que boa parte do resto do mundo. Em Tom Price, os anos de prosperidade continuam, um golpe de sorte que se explica pelo manto de poeira vermelha que cobre tudo, desde as suas largas ruas residenciais e os gramados bem cuidados até o seu clube de golfe. Essa poeira vermelha vem das minas de ferro em torno da cidade - cujo nome é uma homenagem ao engenheiro americano que deu nascimento à indústria de minério de ferro na Austrália Ocidental - que está no centro de uma relação cada vez mais complicada entre Austrália e China, a cliente mais voraz das mineradoras australianas. A Rio Tinto, mineradora anglo-australiana, recusou um enorme investimento chinês recentemente e, em vez disso, fez um acordo para unir suas operações de minério de ferro com outra empresa de mineração anglo-australiana, a BHP Billiton, a maior do mundo. Há pouco tempo, o governo chinês mandou prender quatro funcionários da filial da Rio Tinto na China, acusando-os de suborno e violação de segredos comerciais, retirando uma acusação mais grave, de roubo de segredos de Estado. Esse "boom" contínuo em Tom Price e no resto de Pilbara, como é chamada essa região da Austrália Ocidental, mostra a importância geopolítica do minério de ferro, ingrediente fundamental na fabricação de aço. As minas da região de Pilbara datam dos anos 1960, quando começou o fornecimento para o Japão de matéria-prima para o desenvolvimento de suas cidades e indústrias. Um padrão que se repete no caso da China e que as pessoas esperam vai prosseguir com a Índia. "O minério de ferro de Pilbara é usado diretamente na urbanização da China", diz Tim Shanahan, especialista em mineração da universidade do Estado da Austrália Ocidental, em Perth, capital do Estado. Até a crise financeira global do ano passado, a Austrália Ocidental viveu "nos últimos três a quatro anos uma grande agitação, onde cada commodity produzida no Estado alcançava preços recorde ou quase recorde", diz. Um boom tão intenso que Pilbara atraiu dezenas de milhares de trabalhadores em busca de fortuna; os empregos na mineração eram tantos e tão lucrativos que outras indústrias e setores, incluindo o próprio Exército da Austrália, começaram a se queixar da falta de novos empregados. Atualmente, algumas mineradoras mais prudentes estão suspendendo alguns projetos por causa da desaceleração econômica global: com a queda nos preços de alguns minérios, especialmente o níquel, algumas cidades que vinham em grande expansão entraram em colapso. Mas o minério de ferro continuou desafiando a gravidade. Os geólogos locais começaram a sondar essa área em busca de minério de ferro nos anos 1950. Mas foi Thomas Moore Price, vice-presidente da Kaiser Steel, produtora de aço americana, que convenceu os governos federais e estaduais das perspectivas oferecidas pelo minério de ferro. Tradicionalmente, nesse vasto pedaço de terra da Austrália, escassamente povoado e pouco desenvolvido, onde as temperaturas no verão chegam normalmente a 43 graus, o alcance das gigantescas companhias de mineração é bem mais amplo do que o do governo. Para despachar o minério de ferro do interior para as cidades portuárias, a Rio Tinto e a BHP possuem sua própria rede de transportes em Pilbara, incluindo estradas particulares que os motoristas só podem usar com autorização das empresas. O minério de ferro vem alimentando esse boom permanente não só em Tom Price, mas também no resto da região de Pilbara. Em Port Hedland, cidade a 430 quilômetros ao norte de Tom Price, onde as mineradoras descarregam o minério de ferro que vai ser levado aos navios para a China, casas antigas, com três quartos, são alugadas por valores não inferiores a US$ 1 mil por semana. Os preços dos imóveis subiram quatro vezes nos últimos três anos. "Aqui ainda estamos em plena fase de prosperidade", diz Stan Martin, prefeito de Port Hedland, acrescentando que não há falta de moradia. "Ainda há muitas oportunidades de emprego por aqui. Está difícil encontrar algum lugar para dormir no momento. Mas estamos trabalhando nisso".

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