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Economista e diretor-presidente da MCM Consultores

Opinião|A trapalhada dos precatórios

Mais uma vez, o Ministério da Economia tropeça nas próprias pernas

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Atualização:

Em 30 de julho passado, o ministro Paulo Guedes disse que havia sido atingido por um meteoro. Referia-se à sua surpresa com os R$ 89,1 bilhões de precatórios que deveriam ser incluídos no Orçamento da União de 2022. A infeliz retórica, que agitou os mercados financeiros, e as confusões que se seguiram não são compatíveis com a seriedade que deveria nortear a condução da política econômica.

A surpresa é injustificada e denota a pouca atenção que o ministro dedica aos dados econômicos e financeiros gerados ou acompanhados pela sua pasta. O próprio Balanço Geral da União registra as provisões para perdas fiscais prováveis, decorrentes de contenciosos em que a União figura diretamente como polo passivo. Em 30.6.2021, tais provisões alcançavam R$ 767,4 bilhões, o mesmo que no fim de 2020. Desse montante, R$ 462 bilhões referem-se a lides tributárias que não geram precatórios, mas sim créditos fiscais. Cerca de R$ 300 bilhões são relativos a despesas primárias, possuindo elevado risco de se transformarem em precatórios.

Paulo Guedes, ministro da Economia de Jair Bolsonaro Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil - 22/7/2021

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A primeira proposta do governo, de criar um fundo para registrar tais passivos, e de impor unilateralmente a postergação do pagamento para até 9 anos, não passava de manipulação contábil e de calote, detalhadamente comentada em meu artigo de 23.8.2021, nesta coluna.

Postergar pagamento, mesmo se isso ocorresse com a anuência do Judiciário, não faz qualquer sentido, pois o problema do governo não é de caixa, mas apenas de abrir espaço no teto de gastos para incluir a ampliação do programa Bolsa Família e as emendas do relator do Orçamento, que somadas devem alcançar valores próximos a R$ 50 bilhões de reais. 

A função do teto de gastos, em última instância, é impedir o crescimento descontrolado da dívida pública, evidenciando ao Executivo e ao Legislativo o problema da escassez de recursos quando da elaboração do Orçamento. No entanto, quando há a emissão dos precatórios, a despesa já ocorreu, embora ainda não tenha sido paga, e a dívida pública já aumentou, não a mobiliária, mas a relativa a essas ordens de pagamento judiciais irrecorríveis. Assim, pagar os precatórios tempestivamente, aumentando a dívida mobiliária, ou empurrar o pagamento com a barriga, dá no mesmo em termos de evolução do passivo da União. A diferença é que a segunda alternativa, defendida por Guedes e equipe, tem a enorme desvantagem de macular a credibilidade do Tesouro Nacional em honrar seus compromissos. 

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Atento a isso, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) apresentou PEC alternativa que garante o pagamento integral e tempestivo dos precatórios, cujos valores seriam retirados do teto de gastos. O teto seria recalculado desde 2016, para obtenção dos limites que vigorarão de 2022 em diante. Assim, o teto para 2022 cairia de R$ 1,61 trilhão para R$ 1,57 trilhão. Com isso seria aberto o espaço de R$ 50 bilhões tão ardorosamente desejado pelo governo. Não é a solução ideal, mas tem o mérito de ser transparente e evitar o calote.

Inexplicavelmente, Guedes não concordou com a proposta. O ministro se reuniu com os presidentes da Câmara e do Senado, quando teriam chegado a um acordo, cujos termos divulgados parecem um delírio. Limita-se o pagamento de precatórios em 2022 a R$ 39 bilhões, joga-se para a frente os restantes R$ 50 bilhões, oferecendo-se aos credores opções que vão desde deságio de até 40%, reescalonamento dos vencimentos para 9 anos, liquidação de débitos com a União, até ficar na fila, para receber sabe-se lá quando. Curiosamente, dado que o teto de gastos não é recalculado, a medida criaria a mesma folga de R$ 50 bilhões constante da proposta de Marcelo Ramos, mas com as desvantagens de ser confusa, embutir calote e manter passivos fora das estatísticas da dívida pública.

Mais uma vez, o Ministério da Economia tropeça nas próprias pernas.

*ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

Opinião por Claudio Adilson Gonçalez
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