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‘A União Europeia mudou de atitude’, diz Ernesto Araújo

Para ministro, acordo entre Mercosul e UE mostra que Brasil está preparado para entrar na OCDE

Foto do author Renata Agostini
Por Renata Agostini
Atualização:

BRASÍLIA -- Antigo crítico da União Europeia, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que o bloco mudou de atitude: deixou de negociar com "contrato de adesão", em que colocava aos parceiros as condições. "Hoje vejo como um sistema que está se abrindo, com atitude de compreender mais os outros", afirmou ao Estado antes de embarcar de Bruxelas para o Brasil na noite de sexta-feira, 28.

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O chanceler chegou a dizer em artigo de 2017 que o bloco era "apenas um conceito burocrático e um espaço culturalmente vazio regido por valores abstratos". Segundo ele, suas preocupações, expressas à época, não têm a ver com funcionamento da União Europeia, mas com o "espírito do tempo".

Araújo liderou o time de negociadores do governo brasileiro que atuou para fechar o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, que irá criar a maior área de livre comércio do mundo.

Segundo ele, o sucesso em fechar a parceria, cujas tratativas se arrastaram por 20 anos, confirma o Brasil como "posição de referência" na América do Sul e reforça a candidatura do País à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o clube de países mais desenvolvidos do mundo. 

A seguir, os principais trechos da entrevista: 

Ao se referir ao chanceler do Brasil, porta-voz do governo brasileiro trocou o nome de Ernesto Araújo (E), que está em Bruxelas, pelo de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Foto: Olivier Hoslet, Pool Photo via AP

Qual foi o momento mais difícil da negociação? Toda negociação tem sempre uma dinâmica imprevisível. Desde que cheguei aqui, notei uma extraordinária disposição para fechar o acordo. Tanto da União Europeia quanto do Mercosul. Foi um enfoque muito construtivo. Nunca tive dúvida de que fecharíamos por causa disso. Na chegada (na quarta-feira), quando tivemos um jantar oferecido pela comissária de comércio, Cecília Malmström, já foi possível ver que o clima era bom, uma atmosfera excelente e disposição de fechar, com a percepção do valor estratégico do acordo.

O acordo ajudará na imagem do governo Bolsonaro no exterior? É muito relevante. Ele comprova nossa disposição de construir uma abertura econômica sólida, de construir uma economia mais competitiva, mais ligada ao mundo, às cadeias globais de valor dentro da integração do Mercosul. Acho que confirma essa disposição do Brasil de ser um ator mais relevante no comércio internacional, com economia mais aberta e, ao mesmo tempo, confirma nossa posição de referência na América do Sul, de um governo que está se colocando a favor da economia de mercado e da democracia. O presidente Bolsonaro sempre reitera nossa visão a favor da liberdade e da democracia. É um impulso para que a América do Sul consolide esses valores. 

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As reuniões que o presidente teve em Osaka foram importantes? Foi importantíssima a interação (entre os negociadores em Bruxelas e a comitiva do presidente no Japão). São coisas que se complementaram muito. Já viemos com a determinação política do presidente para fazer tudo para fechar o acordo. Tivemos o respaldo político sem o qual não se consegue fechar acordos dessa natureza. E a conexão que a gente foi tendo (com os demais negociadores em Bruxelas). Tudo correu de maneira muito suave.

Falando assim parece que o trabalho do senhor foi fácil, ministro.

Fácil não foi. Mas transcorreu de maneira tranquila. Anteciparam que França e Alemanha poderiam ser contra o acordo (por causa da posição do governo brasileiro sobre desmatamento). O presidente Bolsonaro colocou muito claramente para eles (a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Emannuel Macron) e para todo o G-20 a nossa política ambiental e dissipou completamente esse lado. A Comissão Europeia sabe que essas coisas não são corretas (o discurso de que o Brasil não respeita leis ambientais). Mas a opinião pública poderia ter outra percepção.

O sr. acredita que, com o acordo, será mais fácil para o Brasil defender outros pontos de sua nova política externa, como a oposição ao uso do termo “gênero”? Acho que sim. Vamos mostrando que temos uma atitude no mundo que é construtiva, que temos políticas que decorrem dos valores do povo brasileiro e que são coisas que fazem sentido, que nos permitem dialogar. Temos uma política que valoriza a identidade nacional. Então, mostra que se pode ter uma política coerente em todas as frentes, que valoriza o Brasil em todas as frentes. Outra vertente é nosso desejo de entrar na OCDE, fica claro que estamos preparados. Encaixa muito bem.

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O ministro da Economia, Paulo Guedes sempre defendeu o acordo e abertura comercial. Não havia resistência no núcleo próximo ao presidente ou em outras áreas do governo?

Não, nunca houve isso. Desde janeiro, vimos isso como prioridade. Na mesma linha do ministro Guedes e da ministra Tereza Cristina (Agricultura). Nunca detectei resistência à negociação dentro do Itamaraty ou em outros órgãos. Uma das coisas que destaco: com esse êxito, mostramos que somos um governo que consegue trabalhar em conjunto. No passado, o que atrapalhou foi justamente haver visões diferentes dentro do governo brasileiro.

Em 2017, o sr. chegou a criticar a União Europeia em um artigo (na ocasião, disse que a União Europeia representava “apenas um conceito burocrático e um espaço culturalmente vazio regido por valores abstratos”). O sr. mudou de opinião? A própria União Europeia está mudando, né? É um bloco extraordinariamente eficiente no aspecto comercial. Existem preocupações que não são necessariamente só em relação à Europa, que falo em relação a muitos países do ocidente de forma geral, em questão de mudança cultura, de história, de valores. Não tem a ver com funcionamento da União Europeia, mas com espírito do tempo. Mesmo assim, está mudando. Em relação à experiência que já tive no passado, hoje vejo como um sistema que está se abrindo, com atitude de compreender mais os outros. Antigamente, a União Europeia negociava como contrato de adesão (impondo aos parceiros as condições). Isso é uma atitude que mudou muito.

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O Brasil agora está preparado para partir para acordos comerciais com EUA, China, Japão? Com todo mundo, certamente. Acho que precisamos buscar modalidades negociadoras diferentes, dentro dessa perspectiva.

E o Reino Unido, diante do Brexit?

Também, claro. Se isso se concretizar, é algo que pensaríamos com certeza.

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