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Economista e sócio da MB Associados

Opinião|A vacina comanda o cenário (2)

O que mais me perturba é a percepção de que o poder em Brasília (Executivo, Legislativo e Judiciário) está completamente distante do que ocorre no País e segue imerso em briguinhas

Atualização:

No dia 24 de janeiro, escrevi: “O cenário brasileiro é muito mais difícil, a começar do fato de termos um governo desde sempre negacionista, que nunca entendeu a dimensão da ameaça colocada pela covid-19, que se engana com poções mágicas e remédios milagrosos e que passou 2020 militando contra as boas práticas sanitárias e sociais. O governo federal desprezou a aquisição de vacinas num momento crucial, quando era possível fazer compras em larga escala”. 

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De lá para cá, nada mudou no comportamento do presidente da República e, em consequência, a segunda onda da pandemia se expandiu dramaticamente. Naturalmente, a economia começa a sentir o peso da situação, a começar pela aceleração da inflação, que está muito mais forte do que parece ser a percepção das autoridades, que insistem em ver um evento temporário e passageiro. Os números recentes preocupam até corações fortes e reforçam uma projeção de crescimento de 5% nos preços ao consumidor.

Em primeiro lugar, os preços de alimentos não dão trégua, a despeito da boa safra de verão que estamos colhendo. Isso é decorrência de níveis bem altos de cotações internacionais, que encontram um real bastante desvalorizado. A questão grave é que os estoques internacionais de produtos agrícolas estão muito baixos e a demanda tende a se manter elevada, tendo em vista as políticas fiscais e monetárias bastante expansionistas. Estamos numa situação em que qualquer quebra de safra num fornecedor relevante (Estados Unidos, China, Brasil, Argentina etc) poderá produzir altas ainda mais robustas ao longo deste ano. 

Dada a escassez de vacinas (pelo menos até maio), continuaremos a ver elevado número de casos, de mortes e de respostas aflitas de governadores e prefeitos pelo menos até junho Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Em segundo lugar, a dificuldade das cadeias globais de suprimento de responderem à expansão da demanda está resultando em grandes pressões nas áreas de matérias-primas, insumos intermediários e semicondutores, o que eleva os preços industriais e depois os do varejo. O episódio do Canal de Suez apenas jogou luz nessa situação. Os dados de preços no atacado, revelados pelo IGP-M de março, assustam qualquer um: em 12 meses, os bens intermediários cresceram 37% e as matérias-primas, 70%! No índice de construção civil, o componente de insumos, equipamentos e serviços cresceu 22%, somando-se ao encarecimento dos alimentos. 

Além disso, também preocupam as altas nos derivados de petróleo e a pressão no preço da energia elétrica. Chamo a atenção para o nível de reservatórios no Sudeste brasileiro ao fim de março, final do período das chuvas, de 35% ante 52% no ano passado. A bandeira vermelha será acionada persistentemente ao longo do ano. 

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Em resumo, ainda que em 2022 parte dessas pressões possam se reverter, estamos vivendo um momento inflacionário bastante difícil, e no qual o impacto da taxa do dólar continuará a ser perceptível. Nesse mercado, deságuam as incertezas vindas de três fontes, que parecem inesgotáveis: o rumo da pandemia, a crise fiscal e o aquecimento dos embates políticos, visando a sucessão do próximo ano. 

A pandemia já se transformou na maior crise sanitária e humana da história do País e, dada a escassez de vacinas (pelo menos até maio), continuaremos a ver elevado número de casos, de mortes e de respostas aflitas de governadores e prefeitos pelo menos até junho. Como mostra bem a Europa, a saída da pandemia será torturantemente lenta, até porque a crise fiscal e a inércia do governo federal não permitem que se repita a inundação de dinheiro ocorrida no ano passado, a partir do pagamento do coronavoucher. 

Ao contrário, a demanda e o mercado de trabalho seguirão fracos, enquanto certas restrições de oferta vão derrubar parte da produção, como está ocorrendo com o fechamento generalizado de fábricas do setor automotivo. O primeiro semestre do ano corrente será de recessão e continuaremos vendo o crescimento do PIB na ordem de 2,6%.

Já é possível antever uma certa contaminação para 2022. 

Entretanto, o que mais me perturba é a percepção de que o poder em Brasília (Executivo, Legislativo e Judiciário) está completamente distante do que ocorre no País e segue imerso em briguinhas e lances paroquiais, cevando a crise fiscal, alimentando a crise política e perplexo ante a pandemia, mesmo ela já tendo completado o primeiro aniversário. 

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*ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE

Opinião por José Roberto Mendonça de Barros
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