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Abertura comercial e indústria

Por ANTONIO CORRÊA DE LACERDA
Atualização:

O debate a respeito de uma maior abertura da economia brasileira voltou à ordem do dia muito em razão da perda de competitividade da indústria. A questão, no entanto, não é nova.Inspirado pelos ventos neoliberais que influenciaram a corrente principal do pensamento econômico no início dos anos 90, o Brasil intensificou a sua abertura comercial com diminuição de restrições e redução de tarifas de importação. Ocorre que a cartilha da abertura, entre nós, foi seguida só até a "página 2" do manual. Colocou-se a indústria local diante da concorrência dos produtos importados, favorecidos pelas reduzidas tarifas, e posteriormente se seguiu longo período de valorização da nossa moeda (1994-1999 e 2004-2010). Foi um processo que, embora no curto prazo fosse favorável ao consumidor, não se sustentou nem se sustenta, por seus impactos deletérios na balança comercial, entre outros.Não se completou o processo oferecendo condições isonômicas de competitividade sistêmica. Todos os fatores que não dependem das empresas, mas que afetam a competitividade do País, continuaram muito ruins: carga e estrutura dos impostos, excesso de burocracia, deficiências de infraestrutura e logística, educação deficiente, etc.O quadro implicou a perda de mercado das exportações de manufaturados, assim como incentivou uma reestruturação defensiva dos produtores locais, que em muitos casos elevaram de tal forma o seu coeficiente de importações que se tornaram meros representantes de fabricantes do exterior. No quadro descrito, os aumentos realizados nas tarifas de importação se revelaram meros paliativos, que, além disso, significaram aumentos de custos para os produtores locais.Desde 2011 houve avanços nos preços fundamentais da economia, denotando um cenário diferente do passado, especialmente quanto à trajetória dos preços fundamentais da economia: o ajuste para baixo nas taxas de juros reais básicas (considerando a taxa Selic, descontada a inflação) e a desvalorização do real. É fundamental persistir nos ajustes, assim como é possível e necessário rever a estratégia comercial, reduzindo as tarifas para facilitar a importação de matérias-primas e componentes e de máquinas e equipamentos sem similares nacionais, para favorecer a competitividade, fomentar a geração local de valor e impulsionar as exportações de manufaturados.É preciso rever a estrutura de proteção de forma a baratear o início das etapas de produção, reservando a proteção ao produto final. Da mesma forma, é mais viável estabelecer acordos comerciais com parceiros visando a ampliar e a qualificar a nossa inserção internacional. Algo que deve ser complementado com a utilização das técnicas de inteligência de mercado para analisar e influenciar as estratégias das grandes corporações com atuação no País, de forma a torná-las aliadas na conexão de fornecedores e parceiros locais às cadeias globais de valor. Não custa lembrar: 2/3 do comércio exterior global são controlados por grandes corporações transnacionais, e conhecer profundamente a estratégia dessas empresas é hoje imprescindível para influenciar a sua localização e para tornar-se parte relevante do seu portfólio de investimentos, inovação e exportações.Da mesma forma, a negociação de acordos internacionais deve visar ao acesso aos mercados pelos produtores brasileiros, mediante avanços no quadro da competitividade sistêmica interna e contrapartidas dos países parceiros comerciais.É isso que deve ser levado em conta num processo de abertura, que não se justifica por si só, mas como parte de uma estratégia de inserção autônoma e soberana. No caso em questão, a ordem dos fatores altera o produto. Não vamos repetir o erro cometido no passado recente, quando se acelerou a abertura sem a necessária adaptação do ambiente e sem negociar a abertura dos outros mercados aos produtos brasileiros.ECONOMISTA, CONSULTOR, PROFESSOR DOUTOR DA PUC-SP, É COAUTOR DE 'ECONOMIA BRASILEIRA' (5ª EDIÇÃO, 2013). E-MAIL: LACERDA.ECONOMISTA@GMAIL.COM

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