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Abertura dos céus - objetivo do governo?

Por Josef Barat
Atualização:

Na globalização, logística e transporte atuam como fatores essenciais na inserção mais plena no comércio, na redução de assimetrias nas trocas e na adição de valor às cadeias produtivas nacionais. Isso posto, cabe formular uma pergunta preliminar: para garantir maior espaço à adição de valor e negociar acordos em bases de maior reciprocidade com outros países e blocos é essencial a existência de empresas nacionais privadas de grande porte para logística e transporte? Se a resposta for um solene "não", toda a argumentação que se segue fica desprovida de qualquer importância. Se for um "sim", vale a pena prosseguir para aclarar as ideias. Diante de novas escalas de comércio e fluxo de pessoas, decorrentes da globalização, países buscam fortalecer a bandeira nacional na marinha mercante e no transporte aéreo. O uso de navios e aeronaves de bandeira própria tem papel importante no equilíbrio da conta corrente em razão do ônus pelo pagamento de serviços. Por isso a questão sempre presente nos foros internacionais é como implementar estratégias e políticas públicas que defendam os países das relações assimétricas geradas pela globalização. Não se trata só de ter o suporte da logística e do transporte para vantagens competitivas e agregação de valor, mas de sustentar posições mais equilibradas nas negociações de interesse nacional. A desregulamentação açodada da navegação reduziu drasticamente a ocupação dos navios de bandeira brasileira e as encomendas à indústria de construção naval. O aumento dos afretamentos de embarcações estrangeiras repercutiu negativamente na balança de serviços. Sem adequada perspectiva do papel do transporte marítimo no desenvolvimento, o imediatismo das políticas de curto prazo acabou por desmantelar a navegação nacional de longo curso e cabotagem. Entre 1981 e 2004, enquanto as exportações quadruplicaram em valor, uma sucessão de políticas equivocadas fez a frota mercante declinar de 7,3 milhões para 6,3 milhões de toneladas de porte bruto (TPB), reduzindo a participação brasileira para apenas 0,7% do total mundial. Nesse período, os "tigres asiáticos" ampliaram suas frotas em mais de 6 vezes - de 17,8 milhões para 120,4 milhões de TPB. A China aumentou sua frota de 7,7 milhões para 48,9 milhões de TPB, atingindo 6% da frota mundial. Em 1981, as frotas da China e do Brasil praticamente se equivaliam em tonelagem. Agora, ao que tudo indica, chegou a vez de a aviação comercial ser vítima de equívocos. Sabe-se que um sistema de aviação civil forte e estruturado (empresas aéreas, aeroportos e indústria aeronáutica), além de desempenhar importante papel na ampliação dos fluxos de negócios e turismo, pode aumentar o poder de barganha do país ante as grandes mudanças que ocorrem no transporte aéreo mundial. No entanto, fortes pressões pela abertura dos céus estão direcionando a política governamental para um caminho perigoso de liberalização. As empresas brasileiras têm alcançado níveis elevados de produtividade e competem num mercado de grande dinamismo. Tentam recuperar a participação da nossa bandeira nos voos internacionais, mas a liberalização açodada das tarifas internacionais pode representar uma grave ameaça. Isso porque, se na América do Sul a forte posição das empresas brasileiras permite uma liberalização gradual, nos mercados da América do Norte e Europa sua competitividade se reduz bastante em razão do tamanho e da escala mundial das operações e da demanda. Os acordos bilaterais que regulam a aviação de longo curso estabelecem condições de igualdade em termos de frequências e capacidade das aeronaves. Hoje a proporção média da bandeira nacional em voos internacionais, excetuada a América do Sul, está próxima de 20%. Competição, no mundo atual, pressupõe, além de níveis elevados de produtividade, igualdade de condições em termos de escala, carga tributária, encargos sociais e equalização do custo de combustíveis. É claro que com as significativas diferenças nessas condições, nenhuma empresa brasileira sobreviverá à competição no longo prazo. Obviamente não se trata de voltar ao modelão protecionista do passado, mas de prevalecer o bom senso e a defesa dos interesses nacionais nas ações reguladoras. Seria indesejável ficar no ar a estranha sensação de que a prolongada crise aérea foi cevada para desembocar na abertura dos céus. *Josef Barat, economista, consultor, presidente do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, foi diretor da Anac

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