A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) está questionando a constitucionalidade de um ponto da cartilha sobre governança corporativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), divulgada na semana passada. A cartilha contém 23 sugestões de boa governança corporativa para serem adotadas pelas companhias abertas brasileiras. Segundo o presidente da Abrasca, Alfried Plöger, no primeiro parágrafo do preâmbulo, a cartilha diz que a adoção de tais práticas comumente significa a utilização de padrões de conduta superiores aos exigidos pela lei ou pela própria regulamentação da autarquia. No parágrafo seguinte, porém, a cartilha menciona que a "CVM exigirá brevemente a inclusão de indicação do nível de adesão às práticas recomendadas nas informações anuais das companhias abertas", na forma ´pratique ou explique´, isto é, ao não adotar uma recomendação, a companhia deverá explicar suas razões. Segundo a Comissão Jurídica (Cojur) da Abrasca. Tal exigência seria inconstitucional por ofender o artigo 5º da Constituição Federal, que diz: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei". Para Plöger, portanto, a autarquia estaria obrigando as companhias a fazer algo não imposto pela legislação. "A CVM é um órgão que regulamenta e fiscaliza. Não pode legislar, é contra a Constituição", disse. Cartilha é afronta à nova Lei das S/A Alfried Plöger disse que a CVM colocou na cartilha de governança corporativa pontos que estavam no projeto que resultou na nova Lei das S/A e que não passaram no Congresso. "A autarquia colocou na cartilha aquilo que o governo quis emplacar na lei e não conseguiu." Para ele, isso é uma afronta ao que foi aprovado pelo Congresso Nacional. "A cartilha passa por cima do que foi democraticamente decidido no Congresso", afirmou. Um exemplo de recomendação da cartilha da CVM é que o conselho de administração das companhias tenha dois profissionais especializados em assuntos financeiros e contabilidade, ponto que não consta na Lei das S/A. A autarquia também sugere que o presidente da empresa não seja o mesmo do conselho de administração. "A companhia que não seguir isso terá de explicar o motivo em seu balanço anual", disse Plöger. Outra diferença em relação à Lei das S/A é que a cartilha diz que as empresas devem ter no máxima 50% do capital em ações preferenciais. A nova Lei das S/A permite que as empresas já constituídas tenham até 2/3 de preferenciais, sendo que só as novas devem emitir no máximo 50% dessa espécie de papel. Abrasca pedirá para CVM desconsiderar cartilha Plöger também disse que pedirá à CVM que a cartilha "Recomendações sobre Governança Corporativa" seja desconsiderada. "Queremos que ela saia do ar, porque não faz sentido", afirmou. As recomendações da cartilha não são obrigatórias, mas a empresa deverá informar em seu balanço anual se adota ou não essas práticas. Segundo Plöger, as companhias que não seguirem o documento terão a imagem prejudicada. Para ele, não seria suficiente uma revisão da cartilha. "Não tem como negociar um ponto ou outro. Todas as recomendações estão acima da lei"