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Acabou a bonança. É hora de cortar

Empresas acostumadas a crescer até sem muito esforço nos últimos cinco anos agora se livram das gorduras

Por Marianna Aragão
Atualização:

Até poucos meses atrás, o trabalho dos empreendedores Mário Chady e Eduardo Ourivio foi administrar a extraordinária expansão da sua empresa. Com um modelo de negócios inovador - aliar a tradicional culinária italiana à velocidade e aos preços do fast-food -, a Spoleto encontrou terreno fértil na economia estável, no crédito abundante e na expansão do consumo do País. A combinação permitiu à rede crescer a uma taxa média de 30% nos últimos anos, chegando a 200 lojas no Brasil, México e Espanha. Com a crise financeira na ordem do dia, os empreendedores se têm deparado com novas pautas em suas reuniões. "Já começamos a tomar decisões que, em função do crescimento elevado, estavam paradas na mesa há tempos", diz Chady. Entre as tarefas relegadas a segundo plano e agora postas em prática estão a extinção de um departamento, o corte de despesas e o lançamento de um novo modelo de franquias, mais barato que o tradicional. "No momento de glória, muitas vezes a incompetência fica camuflada." A reflexão feita pelos donos da Spoleto tem rondado a cabeça de vários empreendedores brasileiros. Criadores de empresas inovadoras, eles surfaram no bom momento da economia nacional e experimentaram taxas de expansão excepcionais nos últimos anos. Agora, com os efeitos da crise financeira internacional batendo à porta, vêem palavras como recessão, corte de custos e demissões rondar seus vocabulários, pela primeira vez. E precisam agir. "É difícil, depois de uma fase tão positiva como a dos últimos cinco anos, relembrar os velhos tempos", diz a empresária Paola Tucunduva, que ainda tem na memória as crises econômicas que balançaram a companhia de seu pai, onde trabalhou antes de fundar a Rotovic, em 2000. Desde então, a empresa de lavagem industrial aumentou em dez vezes seu faturamento e em 400% o número de clientes. Neste mês, apenas com as férias coletivas das montadoras de veículos, Paola estima uma redução de 30% nas vendas. A nova realidade está forçando a empresa a sair da zona de conforto. "Estávamos crescendo quase sem fazer força. Bastava a empresa montar um turno a mais e crescíamos." A empresária decidiu reestruturar a área comercial com o objetivo de buscar clientes em novos segmentos, como o de alimentos e farmacêutico, segundo ela, menos afetados pela crise. Para o professor de novos negócios e gestão de pequenas e médias empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), Francisco Guglielmi, vislumbrar novos mercados pode ser uma das maiores lições dos tempos de turbulência. "Quando se está vendendo bem, o empreendedor não se preocupa em enxergar além do mercado servido por ele. A crise o obriga a olhar outras oportunidades", afirma. Além disso, a hora também é propícia para eliminar as "gorduras" existentes nos processos das empresas. É o que está fazendo o empresário Luís Chacon, dono da empresa de biotecnologia Superbac. Segundo ele, a chegada da crise - e a proximidade de uma possível recessão - o obrigou a rever todos os custos da companhia, cujo faturamento triplica a cada ano. "Uma empresa que cresce nessa velocidade presta menos atenção na parte de custos", diz Chacon, que, com o enxugamento de despesas, pretende reduzir em 20% o orçamento do próximo ano. Nesse quesito, empreendedores como Chacon, Paola e Mário levam vantagem. A dinâmica que tiveram de desenvolver para tocar negócios em expansão frenética, agora, os ajuda a driblar as adversidades. "O fato de crescer 30% ao ano nos obrigou a resolver várias crises internas, diariamente", conta Ivan Barchese, presidente da fábrica de alumínio Mextra. "Esses empresários conhecem e estão muito atentos ao dia-a-dia da empresa porque é o mundo deles", diz Guglielmi, da FGV. CAPITAL Para muitos empresários, manter os pés no chão no período de bonança garante uma passagem menos conturbada pela crise financeira atual, que afetou especialmente o crédito. Segundo Chady, da Spoleto, todo o crescimento foi financiado pela geração de caixa da empresa. "Sempre evitamos alavancagem, mesmo nos momentos de liquidez do mercado", afirma. Os planos de expansão da Cacau Show, fabricante de chocolates finos que deve faturar R$ 170 milhões este ano, estão mantidos, também em razão do capital próprio, que financiou os investimentos da empresa. "Fomos lucrando e investindo no negócio", diz o fundador e presidente Alexandre Tadeu da Costa. Costa, que começou a empresa há 20 anos com apenas US$ 500, pretende abrir cerca de 200 lojas no próximo ano. Este ano, quando a empresa deve crescer 65% ante 2007, serão 231 novas unidades. "As pessoas podem deixar de comprar carro e casa, mas não chocolate. Continuamos vendo ?céu de trufa? para o futuro."

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