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‘Acho que Brasília desconhece a gravidade da crise que vivemos’, afirma Horácio Lafer Piva

Acionista da Klabin, o economista diz que o presidente da República é a única figura com o poder de unir o País. Empresário participou da série de entrevistas ao vivo ‘Economia na Quarentena’, do ‘Estadão’

Foto do author Fernando Scheller
Por Fernando Scheller e Monica Scaramuzzo
Atualização:

Acionista de uma das maiores empresas de papel e celulose do mundo, a Klabin, o economista Horário Lafer Piva, ex-presidente da Federação da Indústria de São Paulo (Fiesp), vê um país sem lideranças capazes de promover as mudanças necessárias para enfrentar o coronavírus e atravessar a recessão de 2020.

“Acho que Brasília desconhece a gravidade dessa crise. Quando olho as propostas atabalhoadas, todo dia uma surpresa, as intrigas palacianas e essas interferências nos últimos dias sobre o número de casos (do coronavírus), obviamente fico muito tenso”, disse. O empresário participou nesta quarta-feira, 10, da série de entrevistas ao vivo Economia na Quarentena, do Estadão.

Horácio Lafer Piva, presidente do conselho da Klabin Foto: Iara Morseli/Estadão

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Para o executivo, a figura que tem o poder de unir todos os Poderes, em todas as esferas (federal, estadual e municipal), é o presidente da República. “Quando o Executivo deixa as coisas ao deus dará, eu sempre me lembro dos filmes dos irmãos Coen: um probleminha vai crescendo, crescendo...”, comparou Piva.

“Tem um conjunto de medidas dos governos federal, estaduais e municipais que estão descompassadas. Quem poderia unir o País? O presidente da República.” Ele destacou, porém, que o presidente Jair Bolsonaro parece estar em negação sobre os problemas atuais do País.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Como a Klabin tem enfrentado a pandemia? A empresa é, de certa forma, privilegiada por ser exportadora?

A Klabin tem, de fato, situação mais privilegiada por ser uma empresa exportadora e que trabalha com mix de produtos que tem muita demanda em épocas como essa ¬– como celulose para produção de papel, além de papelão ondulado, que tem um crescimento razoável por conta do e-commerce. Isso tudo acabou mantendo a nossa atividade. Nós criamos um comitê de crise, reforçamos nossa área de comunicação, principalmente para conversar com nosso público interno e acionistas, além dos protocolos para as nossas fábricas, como máscaras e álcool em gel. As empresas estão revendo o seu modelo de trabalho e a sua cultura organizacional neste momento do coronavírus e também para depois, na hora de voltar.

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Vemos desalinhamento entre o governo federal e de parte dos governadores em relação ao fim do isolamento. Como o sr. vê essa questão?

Vejo com preocupação. Tenho uma preocupação sobre a exata compreensão que o governo federal tem da crise. Acho que Brasília desconhece a gravidade dessa crise. Quando olho as propostas atabalhoadas, as intrigas palacianas e essas interferências nos últimos dias sobre o número de casos, obviamente fico muito tenso. Tendo a achar que os governadores estão tendo um comportamento melhor do que o governo federal. Os governadores, de maneira geral, se cercaram melhor de técnicos. Não gostaria de ver esse conflito acontecendo, mas dada a falta de liderança neste momento e essa quase negação do presidente no seu núcleo duro, acho até natural que haja conflito.

Esse desalinhamento também existe entre os empresários? 

Estamos percebendo nessa crise uma democracia muito mais frágil e uma nação mais pobre, dividida e confusa. Exceto na solidariedade – nesse ponto, existe uma união de empresários. Mas, do ponto de vista em relação ao enfrentamento da crise, vejo posições diferentes. Há um núcleo pequeno de empresários que criou esta relação com Brasília mais forte, mas que não tem força quantitativa para representar o empresário de maneira geral. Esse grupo (mais próximo de Brasília) tem uma visão parecida com a do presidente, infelizmente. 

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O sr. escreveu um artigo crítico à Fiesp, questionando a representatividade dessa entidade na economia atual. As entidades de classe têm sido de alguma forma relevantes nesses tempos de pandemia.

Esse artigo tentava mostrar essa confusão que  muitas vezes existe no Brasil entre a política e a representação. Muitas vezes o representante empresarial acaba, por seu desejo de participar da política, misturando as coisas. Isso diminui sua capacidade de representação porque obviamente o próprio representado começa a desconfiar das razões por trás de tudo aquilo. Nossa proposta não era simplesmente criticar, mas fazer uma provocação sobre como a governança precisa mudar em uma momento em que tudo se transforma com rapidez. Acho que essas instâncias de representação representam, na verdade, interesses específicos. A indústria hoje precisa ser entendida dentro do caráter da indústria estendida, do marketing até o pós-vendas. Este conceito de indústria ampliada demanda um outro tipo de representação. Acho que as entidades ainda não perceberam isso.

Bolsonaro participou recentemente de uma live com empresários na Fiesp para pedir pressão pela reabertura da economia. Como o sr. vê isso?

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O presidente da Fiesp (Paulo Skaf) criou um grupo de presidentes de empresas e de multinacionais que se aglutinou ali em razão dessa relação entre o presidente da Fiesp e o presidente Bolsonaro. Essas pessoas não foram demandadas por outros industriais como seus representantes.

O governo federal sofreu uma série de baixas, inclusive com pessoas desistindo antes de entrar. Estamos em um barco sem comandante?

Estamos em um momento muito complicado. Nós temos um regime presidencialista, um modelo em quem tem a caneta e que é o chefe do Executivo. Se ele não tiver uma visão de país que nos leve todos para um lado só, fica difícil. Eu sou a favor de mudar a estrutura política e retomar o tema da ética. Quando o Executivo deixa as coisas ao deus dará, eu sempre me lembro dos filmes dos irmãos Coen: um probleminha vai crescendo, crescendo... Você vai criando vazios econômicos, tensões sociais. E se vive hoje uma situação de muito ódio, polarização e empobrecimento. Falta uma liderança. Precisamos alinhar todas as forças para um lado só. Não estamos tendo isso. Há inexistência de debate público. E isso corrói a sociedade, e isso faz com que as políticas públicas sejam malfeitas. Auxílios emergências para quem não precisa: como é que a gente deixa acontecer uma coisa dessas? Onde está a eficiência? Onde está também o apoio dos governadores nas contas públicas? Tem um conjunto de medidas dos governos federal, estaduais e municipais, tudo em descompasso. Quem poderia unir o País? O presidente da República.

As declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante a reunião ministerial do dia 22 de abril foram muito criticadas. Isso pode atrapalhar as empresas exportadoras brasileiras?

Li as declarações, e há questões que podem ter tido uma interpretação diferente naquele contexto. O ministro tentou falar dos obstáculos burocráticos do Brasil – e ele tem alguma razão. Agora, o tema da sustentabilidade é muito sensível, é necessário muito conteúdo e muita consistência no que se diz. A Amazônia é nossa, mas é um patrimônio (global) extraordinário, inclusive do ponto de vista de futuro melhor aproveitamento da biodiversidade pelo Brasil. Quando o ministro coloca a coisa daquela maneira, sabendo que a discussão no mundo é sensível, é impossível que ele não crie incômodo por parte dos investidores. As empresas que estão procurando compromisso social obviamente vão pensar duas vezes. Vão ser pressionadas a não investir no Brasil.

Essa declaração provocou um ‘racha’ em uma das principais entidades do agronegócio, a Sociedade Rural Brasileira (SRB). O Brasil está cada vez mais dividido?

Acho que na agroindústria há claramente um contingente de pessoas mais conservadoras – que discutem coisas como porte de armas– e uma ala muito moderna, absolutamente conectada com as demandas do mundo. A divisão na indústria é menor. Tem pessoas pedindo para tomar cuidado com a abertura comercial, para voltar logo ao trabalho... Apesar disso, eu vejo mais consenso do que dissenso. Na agroindústria, eu vejo posições diferentes e acho que a Sociedade Rural e a Abag (Associação Brasileira do Agronegócio) estão com a batata quente na mão. Tem o problema na China, também. Tivemos uma série de declarações delicadas sobre esse parceiro, que é absolutamente fundamental para o Brasil. Precisamos entender essa questão geopolítica do mundo e até onde o Brasil precisa tomar cuidado com o que fala e com as alianças que faz.

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Estamos vivendo uma crise política de grandes proporções que deixou a pandemia de coronavírus em segundo plano. A economia pode sofrer ainda mais por causa disso?

Corremos grande risco de sair de uma crise para uma depressão. Essa nossa crise tem uma dimensão muito profunda. Por isso que eu digo que Brasília desconhece a gravidade da crise. A gente tem uma crise sanitária, econômica, política, social e emocional. Muitas empresas e empregos não vão sobreviver, haverá empobrecimento. Vamos ter de pensar o crescimento com mais igualdade de oportunidade. É capaz dessa crise ser uma oportunidade civilizatória. Mas não estamos lidando bem com isso até agora. Em vez de criamos uma coalizão, estamos vivendo um presidencialismo de colisão. E estamos deixando as oportunidades escapar. A gente fica impressionando com a falta de diálogo e de articulação, com o vai-e-volta. A impressão que se tem é que nós somos uma carruagem desgovernada que nos leva para o pior caminho. O Brasil poderia sair mais fortalecido, do ponto de vista da coesão social, e vai sair mais fragilizado. É uma coisa impressionante e é uma pena. Precisamos dar um basta.

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