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Ações da Sadia e Aracruz desabam com aposta errada no câmbio

Sadia fechou com queda de 35%, a maior entre as ações da Bolsa. Na Aracruz, a baixa foi de 16%

Por Agência Estado e Reuters
Atualização:

A Sadia, uma das principais indústrias alimentícias brasileiras, e a Aracruz Celulose reconheceram nesta sexta-feira, 26, que terão que computar elevadas perdas no próximo balanço. O prejuízo é resultado de operações no mercado de câmbio. A perda da Sadia, que chega a R$ 760 milhões, provocou a demissão do diretor de Finanças e Desenvolvimento Corporativo da companhia, Adriano Lima Ferreira. Já a Aracruz preferiu não divulgar o total do seu prejuízo e o diretor financeiro, Isac Zagury, optou por se licenciar do cargo. As ações das empresas derreteram. As preferenciais (PN, sem direito a voto) da Sadia despencaram 35% na Bolsa de Valores de São Paulo. Foi a maior queda entre as ações negociadas na Bolsa. As ordinárias (ON, com direito a voto) caíram 22%. Para as ações da Aracruz, a queda foi de 16%.   Veja também: Bovespa cai 2%, à espera de aprovação de plano nos EUA Sadia buscou linha de curto prazo após rombo de R$ 760 milhões Confira os argumentos pró e contra o plano de resgate Bush pede ação rápida do Congresso americano Celso Ming: Dia D  JP Morgan compra o WaMu Veja os principais pontos do pacote dos EUA  Entenda a crise nos EUA    O problema com a Sadia e a Aracruz pode ser o primeiro sinal de que a crise norte-americana chegou ao Brasil. Isso porque estas perdas são decorrentes da alta do dólar, motivada pela aversão ao risco que tomou conta dos mercados. Regra geral, em momentos de crise, os investidores buscam segurança em títulos da dívida norte-americana, o que provoca a valorização do dólar.   Tanto a Sadia quanto a Aracruz realizaram operações no mercado de derivativos de câmbio - a empresa se posicionava buscando ter lucro com a eventual manutenção da tendência de valorização do real ante o dólar, o que acabou não acontecendo devido ao agravamento da crise. A alta do dólar, que chegou a beirar os 18% em setembro, fez com estas operações resultassem em prejuízo.   O diretor de Controladoria e Relações com Investidores, Welson Teixeira Junior - substituto do diretor demitido -, afirmou que as posições da empresa nos derivativos de câmbio excederam as políticas da companhia e que por isso foi necessário realizar o enquadramento, por meio da liquidação dos contratos, assumindo os prejuízos.   "Isso ocorreu de maneira bastante rápida, em meio à crise. Assim que foi detectado, o conselho tomou conhecimento e imediatamente determinou o reenquadramento", afirmou o executivo, acrescentando que a companhia vai investigar de forma detalhada o ocorrido e poderá, eventualmente, divulgar novos esclarecimentos.   Empresas de alimentos brasileiras com forte atuação em exportações normalmente atuam com derivativos de câmbio buscando compensar (hedge/segurança) eventuais perdas em receita nas exportações geradas pela valorização do real frente ao dólar. Mas no caso da Sadia, como reconheceu o diretor, as operações extrapolaram o hedge que seria adequado. Questionado se em momentos anteriores à crise, já que essas operações ocorriam há algum tempo, a empresa registrou lucros devido à queda do dólar, o diretor disse não possuir, no momento, detalhes sobre isso.   Apreensão   A situação, com a apreensão dos investidores sobre o que mais poderia estar acontecendo nas corporações brasileiras, influenciou negativamente a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e fez com que várias empresas divulgassem comunicados para informar que não possuem exposições pesadas a instrumentos financeiros. Especialistas esperam por impactos nos resultados das companhias nos próximos dois trimestres.   "Os investidores estão certos em ficar preocupados. É um sinal amarelo. Vamos todos olhar para as empresas que têm mais operações internacionais e que costumam fazer operações com derivativos", afirmou Lucy Souza, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) em São Paulo.   "Foi realmente uma surpresa, ninguém estava esperando", disse a analista do setor de papel e celulose na corretora Ativa, Mônica Araújo. "Estamos fazendo um levantamento das empresas que poderiam, que são tradicionalmente exportadoras e com dívida e que poderiam estar sendo pressionadas com essa situação. A maioria está OK, mas este trabalho tem que continuar", acrescentou.   Há dúvidas no mercado sobre se muitas outras empresas também poderiam ter caído na tentação de buscar ganhos financeiros com derivativos cambiais, quando o ideal seria que apenas buscassem garantir o equilíbrio na lado operacional.   "A questão do derivativo é uma ferramenta interessante para hedge, mas ela mal empregada é como uma navalha na mão de criança", afirmou Carlos Daniel Coradi, diretor da empresa de análise Engenheiros Financeiros & Consultores. "Pouca gente entende com profundidade e muitas empresas se iludem com as pseudo-vantagens de proteção dos ativos e passivos através de derivativos", acrescentou.   O diretor geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais, Sérgio Mendes, afirmou que os casos de Sadia e Aracruz parecem configurar uma situação em que a empresa passou a apostar com o hedge, o que não pode ocorrer. "O hedge existe para que a empresa preserve seus ganhos na operação normal. Não deve ser ferramenta especulativa", afirmou.   Pontuais   O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, afirmou que são pontuais os problemas expostos pelas empresas Sadia e Aracruz Celulose que informaram ter registrado perdas financeiras com a exposição a câmbio nos mercados futuros. "Na semana passada, fizemos uma varredura e nós verificamos que é muito pequeno o número de empresas expostas a câmbio futuro e que tiveram prejuízo com a reversão da taxa de câmbio", comentou.   Na avaliação de Coutinho, as dificuldades apresentadas por essas duas companhias naturalmente deverão ser resolvidas por elas mesmas, pois desfrutam de uma situação financeira confortável. "São casos pontuais que serão equacionados pela situação estrutural dessas empresas que são bastante capitalizadas e poderão ultrapassá-los sem problemas".   Impactos nos balanços   As notícias contaminaram as ações de muitas empresas brasileiras na Bovespa, com analistas preocupados se o problema poderia estar ocorrendo em mais companhias. Os exportadores de carnes Marfrig e Minerva e a exportadora de açúcar e álcool Cosan enviaram comunicados ao mercado dizendo que não possuem operações alavancadas de derivativos e que suas operações em hedge estão alinhadas com o lado comercial, mas parece que o mercado está descrente. Ações como a da exportadora de aves e suínos Perdigão, por exemplo, caíram 5,77%.   Lucy Sousa disse que os analistas estavam, de forma geral, com uma visão otimista sobre a exposição de instituições financeiras do país à crise internacional. "(Mas) é uma nova preocupação que vem agora" a questão dos derivativos.   José Augusto de Castro, diretor da AEB (Associação de Exportadores do Brasil), disse que a mudança brusca do câmbio causou problemas para algumas empresas. "Ninguém esperava que o câmbio ia mudar tanto em tão pouco tempo. A crise pode pesar nos balanços das empresas exportadoras nos próximos dois trimestres".   Mas segundo ele, cada caso é um caso e para algumas empresas a alta do dólar, apesar de impactar no hedge, pode melhorar o resultado devido ao lucro maior nas exportações. Sérgio Mendes concorda. "Uma coisa poderá compensar a outra".

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