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Acordo Mercosul-UE vai permitir à economia brasileira 'dar um salto', diz Carlos Langoni

Diretor do Centro de Economia Mundial da FGV diz que o tratado com os europeus é o primeiro passo de uma rica agenda de abertura comercial que o governo começará a implementar

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Por Renata Agostini
Atualização:

BRASÍLIA - Diretor do Centro de Economia Mundial da FGV, Carlos Langoni afirma que o acordo do Mercosul com a União Europeia permitirá à economia brasileira "dar um salto". O economista, que já foi presidente do Banco Central e é um dos principais conselheiros do ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que o tratado com os europeus é o primeiro passo de uma rica agenda de abertura comercial que o governo começará a implementar. 

Carlos Langoni foi o primeiro brasileiro a obter o PhDem Economia em Chicago, em 1970 Foto: Marcos de Paula/Estadão

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"Vejo o acordo como parte desse novo modelo de crescimento, cuja fonte para sustentar o aumento do PIB potencial são mercados mais competitivos, ganhos de competitividade. O Brasil vai dar um salto. Acho que sentiremos rápido", afirmou ao Estado.

Segundo ele, o acordo, apesar de ser negociado e gradual, forçará o Brasil a acelerar reformas internas para que o setor privado ganhe produtividade. "A reforma tributária agora ganha mais importância. A estrutura tributária brasileira penaliza a competitividade e o investimento e qualquer processo de modernização produtiva", diz.

Para Langoni, o Brasil deve aproveitar a convergência da visão liberal dos governos do bloco e investir na abertura de frentes negociais com Estados Unidos, China e Japão. 

"É uma mudança muito clara de estratégia em relação ao viés ideológico do passado que limitava o Brasil a um conceito equivocado de Mercosul ampliado –que incluiria Venezuela, Bolívia, etc", afirma. Veja os principais pontos da entrevista.

Quão importante é para o Brasil fechar esse acordo?

É muito importante. São quase duas décadas de uma prolongada negociação. Faltava vontade política para que o acordo avançasse. Agora há convergência da visão liberal especialmente entre os governos do Brasil e da Argentina. E também vontade do lado deles, com mudanças importantes na União Europeia. Diante de onda nacionalista, a EU quer dizer para o mundo que a estratégia multilateral continua viva, apesar da crise da Organização Mundial do Comércio. É um acordo muito abrangente, como acho que deve ser a marca dos acordos bilaterais que o Brasil provavelmente vai focar a partir do sucesso confirmado com a EU. 

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É então o primeiro passo? 

Imagino que, seguindo a União Europeia, o Brasil vai buscar acordos com EUA, China, com o próprio Japão. Na América Latina, o foco vai passar a ser a costa pacífica, com Peru, Colômbia e México. Uma mudança muito clara de estratégia em relação ao viés ideológico do passado que limitava o Brasil a um conceito equivocado de Mercosul ampliado –que incluiria Venezuela, e Bolívia

A abertura então passa a ser uma agenda contínua? 

É o início da reforma esquecida, como sempre digo. A abertura comercial não desperta o interesse da opinião publica em geral, não é tema relevante hoje para o Congresso Nacional. Parece que é algo distante da realidade. Mas terá influência na vida dos cidadãos, dos executivos, dos trabalhadores. É outra dimensão do projeto liberal. Além da reforma fiscal e da simplificação tributária, é a ideia do crescimento baseado em ganho de produtividade, em mercados competitivos. É uma abertura negociada e, portanto, não é traumática. Todo processo de tarifa será gradual. 

Como atenuar eventuais prejuízos aos produtores locais?

Apenas uma pequena parcela (da desgravação) será imediata. Há um calendário. Até três anos para zerar o imposto para alguns e, para outros, vai levar até 15 anos. É tempo suficiente para que os setores expostos à competição externa melhorem seu nível de eficiência. Sem falar no aumento do fluxo de investimentos, que é um dos efeitos colaterais de todo acordo abrangente, e da transferência tecnológica e do acesso à inovação.  

Em quanto tempo será possível sentir efeitos do acordo?

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Vejo o acordo fazendo parte desse novo modelo de crescimento, cuja fonte para sustentar o aumento do PIB potencial são mercados mais competitivos, ganhos de competitividade. O Brasil vai dar um salto. Acho que sentiremos rápido. Apesar de a implementação ser gradual, a mudança nas expectativas é imediata. Com esse acordo com a União Europeia, outros acordos bilaterais e com o fast track da entrada do Brasil na OCDE, criaremos nova percepção de risco-país sob o ângulo externo. 

O setor privado brasileiro reclama do custo-Brasil, que os impede de competir em pé de igualdade. 

O bom da abertura negociada e abrangente é que ela coloca pressão na agenda de reformas internas, que eliminam distorções alocativas e limitam a competitividade. O exemplo clássico é da liberação do mercado de gás. Outro será a reforma tributária, que agora ganha mais importância. A estrutura tributária brasileira penaliza a competitividade e o investimento e qualquer processo de modernização produtiva. A abertura tem essa externalidade de colocar pressão sobre reformas internas. 

É válido que o governo brasileiro avalie medidas compensatórias para alguns setores que possam ser prejudicados?

Se, na transição, ficar evidente a necessidade de algum tipo de medida compensatória, faz parte. Mas desde que seja algo transitório. Importante entender que faz parte do conceito de abertura exatamente colocar pressão para que setores provem que podem andar com suas próprias pernas, que tem nichos que podem competir, eventualmente mudando o mix de produtos. E o acordo vai possibilitar transferência de tecnologia, acesso a equipamentos de última geração que podem ajudar a indústria brasileira.