21 de abril de 2021 | 05h00
BRASÍLIA - O projeto que permitiu um acordo para destravar o Orçamento de 2021 pode elevar o risco de órgãos recorrerem a “pedaladas de fim de ano” para honrar suas obrigações e manter a máquina funcionando, segundo técnicos ouvidos pelo Estadão/Broadcast. Os parlamentares tiraram a necessidade de priorizar gastos com o funcionamento da administração pública, o que abre espaço para o governo “apertar o cinto” nessas despesas em nome da manutenção de maior volume de emendas indicadas pelos congressistas. Se acabar faltando dinheiro, a fatura é jogada para o início de 2022.
Nas negociações para a sanção do Orçamento, o governo já indicou que deve cortar cerca de R$ 9,5 bilhões nas próprias despesas discricionárias (que incluem custeio e investimentos) para evitar um veto mais drástico em emendas negociadas com parlamentares. Hoje, segundo dados da Consultoria de Orçamento da Câmara, o Orçamento prevê aproximadamente R$ 99 bilhões dessas despesas que não são obrigatórias no Executivo, descontadas as emendas.
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O temor é que o corte nas discricionárias acabe estrangulando o funcionamento da máquina, o que pode encorajar os órgãos a assumir despesas que não cabem no Orçamento como uma “válvula de escape” para seguir funcionando. Os gastos seriam adiados para 2022, quando haverá folga maior devido à ampliação do teto em R$ 106 bilhões na comparação com este ano. A prática, porém, fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Constituição e pode ser considerada crime contra as finanças públicas.
A manobra é possível por meio da chamada Despesa de Exercícios Anteriores (DEA), uma linha da execução orçamentária que é usada pelos gestores para identificar gastos que extrapolaram a dotação disponível nos períodos anteriores. A DEA é geralmente usada em casos de exceção e com valores pequenos: uma conta de luz que ultrapassou o valor previsto no último mês do ano, sem tempo hábil de ajuste, por exemplo. Mas já houve no passado suspeitas de uso intencional desse expediente, o que permitia aos órgãos continuar gastando mesmo sem espaço no Orçamento.
O problema é que a DEA só aparece quando, após a virada do ano, o órgão “desenterra” o compromisso de gasto e efetua o empenho – que é a primeira fase da despesa, quando ela é formalizada. Até então, ela fica fora do radar até mesmo de órgãos de controle. Por isso, é considerada uma espécie de “esqueleto” à margem do Orçamento, difícil de ser estimado com antecedência.
A condução da discussão do Orçamento de 2021 tem ampliado a preocupação dos técnicos com o risco de aumento desse tipo de despesa. Na segunda-feira, o Congresso aprovou um projeto de lei que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 e tirou de um de seus artigos a necessidade de priorizar gastos com o funcionamento da máquina pública. Essa priorização vinha sendo inclusive citada nos bastidores por fontes da área econômica como uma espécie de “proteção” contra cortes mais drásticos nas discricionárias.
Em outro dispositivo, ficou estabelecido que cancelamentos de despesas para ajudar na recomposição de gastos obrigatórios dispensam indicação de consequências “sobre a execução de atividades, projetos, operações especiais e seus subtítulos”. Na prática, será mais fácil cortar sem dar muitas explicações ou reconhecer que o órgão poderá sofrer paralisia por causa da redução de despesas.
“As pedaladas via DEA ocorrem justamente quando a dotação orçamentária é irrealmente baixa para as despesas indispensáveis”, afirma o consultor de Orçamento do Senado Vinicius Amaral. “Ainda que ilegal, pode acabar sendo uma forma desesperada de os gestores manterem serviços públicos funcionando”, diz.
O governo Michel Temer entrou na mira do Tribunal de Contas da União (TCU) por ter deixado R$ 1,3 bilhão em despesas para seu sucessor, o presidente Jair Bolsonaro, por meio de DEAs. O caso chamou a atenção porque o então Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) sabia da insuficiência e pediu ao Congresso a abertura de novos créditos, mas não foi atendido.
Na análise das contas de 2019 pelo TCU, o próprio governo Bolsonaro acabou recebendo uma ressalva por adotar a mesma prática. Houve pagamento de R$ 1,5 bilhão em benefícios previdenciários sem o devido respaldo no Orçamento. A despesa deveria ter sido executada em 2019, mas acabou virando um “orçamento paralelo” que só foi devidamente registrado no início de 2020.
Para o consultor de Orçamento da Câmara Ricardo Volpe, o governo deve conseguir sobreviver com o patamar atual de discricionárias, embora “com restrições em alguns casos”.
O governo atrasou o repasse de recursos referentes a benefícios sociais aos bancos públicos, que continuaram efetuando os pagamentos às famílias. Para o Tribunal de Contas da União (TCU), a prática caracterizou financiamento da União pela instituição financeira, o que é vedado.
Já ocorreram em diferentes governos (inclusive Michel Temer e Jair Bolsonaro), muitas ainda sob investigação do TCU. São vistas quando o órgão não tem mais espaço no Orçamento para assumir compromissos, mas continua gastando e deixa a conta escondida para registrar apenas no ano seguinte.
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21 de abril de 2021 | 05h00
BRASÍLIA - Com o acordo entre governo e Congresso para resolver o impasse político em torno do Orçamento de 2021, o volume de emendas parlamentares ainda deve ficar em um patamar de R$ 37 bilhões, recorde na comparação com anos anteriores, conforme levantamento do Estadão/Broadcast com dados do Siga Brasil, do Senado Federal.
Na segunda-feira, o Congresso aprovou um projeto para solucionar a disputa em torno da sanção do Orçamento aprovado com despesas obrigatórias, como Previdência e seguro-desemprego, subestimadas e volume recorde de emendas, que são recursos que o deputado ou o senador envia para seu reduto eleitoral.
Acordo entre governo e Congresso mantém emendas e deixa R$ 125 bi fora do teto e de meta fiscal
O presidente Jair Bolsonaro tem até amanhã para sancionar o texto. A ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, afirmou que Bolsonaro deve vetar R$ 10,5 bilhões em emendas do relator do Orçamento, de um total de R$ 29 bilhões de recursos com esse carimbo. Se isso ocorrer, o volume de emendas parlamentares com pagamento obrigatório ficaria em R$ 36,9 bilhões.
Nos bastidores do Legislativo, parlamentares e técnicos afirmam que o veto nas emendas de relator pode ser de até R$ 13 bilhões. Caso esse cenário se concretize, as emendas vão totalizar R$ 34 bilhões. A cúpula do Congresso não aceita um veto maior do que esse, pois o corte atingiria verbas de interesse direto dos deputados e senadores e não apenas aquelas solicitadas por ministérios. Na prática, os parlamentares não aceitam diminuir o patamar de emendas do ano passado, quando foram autorizados R$ 36 bilhões.
O projeto aprovado na segunda-feira dá aval para o Executivo bloquear as despesas discricionárias, aquelas sob controle dos ministérios, em um montante suficiente para atender as despesas obrigatórias, subestimadas na aprovação do Orçamento pelo Congresso. De acordo com o relator da proposta, deputado Efraim Filho (DEM-PB), o bloqueio será feito por decreto e ficará em R$ 9,5 bilhões.
A proposta também autoriza que as despesas relacionadas à pandemia fiquem de fora do teto de gastos e da meta de resultado primário, sem limite de valor. O Estadão mostrou que ao menos R$ 125 bilhões devem ficar de fora das duas principais regras fiscais – a primeira impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação e a segunda limita um teto para o rombo nas contas públicas no ano. Receberam permissão para serem descontadas do teto despesas para a área de saúde, uma nova linha de crédito subsidiado para micro e pequenos negócios e a reedição do programa que permite às empresas cortarem salários e jornada ou suspenderem contratos dos trabalhadores.
Após o desfecho em torno do Orçamento deste ano, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que os gastos que vão ficar de fora do teto estão relacionados a medidas de combate ao agravamento da pandemia. “Os gastos de natureza não recorrente exprimem o compromisso com a saúde. Somente gastos com saúde estarão fora do teto, como aconteceu no ano passado. Teremos em 2021 o mesmo protocolo de 2020”, afirmou, em coletiva de imprensa virtual. “Neste ano, teremos um foco maior e com mais moderação nesses gastos que, embora sejam extrateto, obedecem o protocolo da responsabilidade fiscal. Somente gastos com saúde e para preservar empregos estão no extrateto”, completou.
O bloqueio em parte das verbas dos ministérios e o veto em parcela das emendas aliviariam o Orçamento em no mínimo R$ 20 bilhões. Há dúvidas, porém, se a estratégia será suficiente para que as despesas continuem num patamar que não fure o teto. A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado aponta um rombo de R$ 31,9 bilhões no teto. A Consultoria da Câmara projeta uma insuficiência menor: R$ 21,3 bilhões.
O cenário deve levar o governo a bloquear despesas dos ministérios durante o ano, inclusive aquelas indicadas por emendas parlamentares, para cumprir as regras e priorizar as despesas obrigatórias, de acordo com técnicos ouvidos pela reportagem. No primeiro alvo, estão verbas colocadas sob o guarda-chuva dos ministérios por indicação dos parlamentares, mas que não receberam o carimbo de emendas obrigatórias, um total de R$ 3,4 bilhões.
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