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Adeus, Feliz Ano Velho!

Por Marco Antonio Rocha
Atualização:

O título acima resume o que pode ser o sentimento de boa parte da população no próximo dia 31. Quanto à saudação mais costumeira - a de Feliz Ano-Novo -, bem, hum... vamos com calma. Do ano de 2008 se pode dizer que foi, de fato, feliz, pelo menos do ponto de vista da qualidade e das condições da vida material. Dinheiro não traz felicidade, como todos sabemos. Mas ajuda a buscá-la. E o País teve bom crescimento econômico, bom crescimento do emprego, bom aumento da massa salarial e da renda individual, bom aumento das reservas cambiais, das exportações, das importações, baixa elevação dos preços, muito mais gente pondo fé no futuro, comprando mais coisas, reformando e construindo casas. Nesse setor, do mercado imobiliário, foi um período de boom. E ainda nem estamos falando da indústria automobilística, que estourou. Foi um ano, como se dizia antigamente, de muita fartura... Já o próximo ano começa, daqui a dez dias, sob vaticínios muito pouco animadores, para não dizer acabrunhadores. O presidente Lula se irrita e diz que são vaticínios daqueles que o querem "lascar". Tomara que seja só isso mesmo e que não passem de mau agouro. Mas, quando entidades de classes empresariais divulgam sondagens realizadas entre seus membros, dando conta de elevada dose de prognósticos negativos, não se trata apenas de mau agouro. Os donos de empresas não são pessoas que pensam com o cérebro dos outros ou que se deixam levar por palpites de jornalistas de economia ou de políticos da oposição. Sabem que têm salários a pagar no fim do mês, duplicatas vencendo, empréstimos a saldar, e que o valor dos pedidos que entram em carteira e dos que já estão sendo despachados precisa cobrir esses compromissos. Uma conta deve, no mínimo, bater com a outra, e isso não dá margem a "achismo" - é um fato objetivo, que pode ter variações e flutuações, mas não ficar no vermelho por período prolongado. Assim, quando 64% dos exportadores brasileiros, sondados pela Fundação Getúlio Vargas, opinam que os negócios deverão estar pior, nos próximos seis meses, do que estiveram nos primeiros seis meses do ano anterior, não estão jogando cara ou coroa para responder à pergunta da pesquisa; estão informando o que se passa na sua área de atividade. Do mesmo modo, quando dizem que o nível de utilização da capacidade instalada de suas empresas foi mais baixo em novembro do que nos últimos quatro anos, estão simplesmente constatando um fato objetivo, e não pretendendo esculhambar o governo e prejudicar o Brasil, etc. Esse tipo de conclusão - de que o noticiário da imprensa quer desfazer das maravilhosas obras do governo - é semelhante à que muitos chefes militares tiravam, na época da ditadura, quando os jornalistas advertiam que seria bom corrigir alguns rumos da política econômica que estavam nos levando à breca - o que era considerada uma atitude impatriótica num país onde, alegadamente, tudo ia bem. Por exemplo, quando a imprensa criticava o programa nuclear, que acabou naufragando mesmo, ou quando criticava o excessivo crescimento da dívida externa, que acabou quase afundando o País. Isso para citar apenas dois casos. É verdade que os ventos de proa que agora estão atravancando o embalo que a economia brasileira ganhou em 2008 não foram desencadeados por políticas deste governo. Ao contrário, como diz o presidente Lula - e nisso ele tem razão - a economia brasileira está em melhores condições hoje para navegar em águas turvas do que esteve em períodos anteriores ao seu. Em boa parte, graças à bússola entregue a ele por FHC e a diversos fundamentos estabelecidos pelo longo período de gerenciamento econômico-financeiro do ministro Pedro Malan. Mas isso Lula não diz, é claro, e nem é necessário, porque todos nós sabemos, inclusive muitos dos seus companheiros que o criticam exatamente por não ter mudado "tudo o que está aí", conforme prometera. Não mudou na essência, mas em alguns pormenores. Um deles foi alavancar o crescimento econômico com base, principalmente, no aumento do consumo. Não é uma má política - e os bons resultados em termos de emprego e renda estão aí para comprovar. Mas precisaria ser balizada por duas outras políticas igualmente positivas: uma política fiscal bem mais austera e uma política de juros que tivesse como meta fazer com que os juros praticados no Brasil chegassem pelo menos ao nível daqueles praticados, se não no mundo desenvolvido, ao menos nos países emergentes concorrentes do Brasil. Se estimula-se a demanda, é preciso que os investimentos produtivos a acompanhem. Caso contrário, tem-se inflação. Ora, investimentos produtivos no Brasil, com essas taxas de juros e impostos escorchantes, são, em boa medida, ilusões de noiva. Mas, como a excitação da demanda tende a criar a oferta, os ofertantes, isto é, os empresários da produção, foram buscar dinheiro no exterior (onde é muito mais barato), e os do comércio recorreram à importação. Portanto, não se pode dizer que a política econômica seguida por Lula tenha sido errada. O que se pode dizer é que foi desequilibrada, desarticulada e, em certa medida, imprevidente. O aumento extraordinário dos gastos de custeio do governo foi um dos exemplos mais gritantes dessa imprevidência, pois eles não criam oferta, só criam consumo e, uma vez criados, não podem ser cortados. Estarão crescendo mais ainda em 2009, pelas benesses chapa-branca que o governo criou em 2008. São irreversíveis. E o governo está agora numa estratégia incoerente de aumentar os gastos e diminuir receitas para favorecer empresas e setores afetados pela crise. Aonde isso pode nos levar é, no mínimo, uma incógnita. Por isso é bom ter calma, como dissemos no início, ao prognosticar Feliz Ano-Novo para todo mundo. Pode não ser feliz... *Marco Antonio Rocha é jornalista. E-mail: marcoantonio.rocha@grupoestado.com.br

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