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Agências de risco mudam pouco

Por Eric Dash
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Quatro estrelas, extremamente recomendado, leitura imperdível: resenhas como essas seriam consideradas suspeitas se fossem pagas por donos de restaurante, cineastas e autores cuja obra elas avaliam. Mas é essencialmente assim que funcionam as coisas na indústria de classificação de crédito - uma das principais culpadas pela crise financeira - que agora, para desespero de seus detratores, vai aparentemente escapar de alterações mais profundas. Na reforma da regulação financeira proposta pelo governo Barack Obama, os serviços de classificação, que atribuíram, durante o boom, notas altas a muitos valores mobiliários subprime, vão evitar as mudanças radicais que os seus críticos tanto solicitaram. Apesar de o governo ter proposto algumas transformações modestas, nenhuma aborda aquele que para muitos é visto como o problema central: agências como a Moody?s e a Standard & Poor?s são pagos pelas empresas que tem seus valores mobiliários avaliados por eles. É como se os estúdios de Hollywood pagassem os críticos de cinema para resenhar os seus pretendentes a grande sucesso. Não obstante os pedidos de reforma do segmento, o sistema por meio do qual "o emissor paga" pela avaliação está profundamente enraizado nessa atividade. E, apesar de esses serviços terem adotado medidas para mitigar os conflitos, eles rejeitam a ideia de que não teriam sido suficientemente vigilantes. "Não se trata de uma tentativa de reinventar a indústria", disse Jerome Fons, ex-diretor de Políticas de Crédito da Moody?s, a respeito das propostas do governo. "Se acreditarmos que o sistema está quebrado, essas medidas não representam um conserto." Os serviços de classificação desempenham um papel fundamental nos mercados de capitais ao avaliar todo tipo de papéis, desde os títulos privados comuns até os investimentos "estruturados", mais complexos. Por lei, os bancos devem levar em conta a nota de risco quando investem em títulos. Grandes administradores de portfólio com frequência elaboram suas referências de investimento com base nessas avaliações. Mas ao longo da última década as agências de classificação ajudaram Wall Street a transformar hipotecas em valores mobiliários, fomentando a disseminação dos empréstimos de alto risco que acabou colocando a economia em perigo. Muitos valores mobiliários que antes receberam nota AAA são hoje considerados sem valor. Ainda assim, essas agências devem manter seu lucrativo e bem protegido nicho. Muitas das propostas detalhadas na quarta-feira são princípios vagos ou critérios frágeis, que pouco acrescentam às mudanças que a SEC (a comissão de valores mobiliários americana) e as próprias agências de classificação estão implementando. As propostas pedem que as agências aprimorem a divulgação de informações mais detalhadas, além de estabelecerem políticas para a "administração e divulgação de conflitos de interesse". Mas o plano não altera o modelo em que o emissor paga, por meio do qual as empresas que vendem valores mobiliários pagam pela avaliação atribuída ao seu produto. Ele não encoraja a participação de um maior número de concorrentes nessa indústria, considerada por muitos um oligopólio. A proposta pede que os reguladores diminuam a sua dependência das agências ao decidir se os investimentos estruturados são seguros o bastante para bancos, seguradoras, fundos de pensão e investidores de fundos mutuais do mercado monetário. Os reguladores deveriam encorajar um maior número de análises independentes, disse um funcionário do Tesouro, mas o governo não propôs um critério alternativo. Muitas das demais propostas simplesmente reapresentam "boas práticas" que as grandes agências estariam em processo de adotar ou já teriam adotado. Por exemplo, a proposta pede transparência na metodologia de classificação e na divulgação dos tipos de risco que os serviços cobrem e aqueles que não são cobertos. "É o equivalente a uma indicação de que há algo errado e precisamos ser cautelosos, mas não revela qual é o problema", disse George Miller, chefe do Fórum Americano de Securitização. Mas as propostas pouco fazem para combater o comportamento que contribuiu para a crise, sustentam os críticos da indústria. "Na ausência de um histórico significativo do seu desempenho, as agências de risco atribuíram notas a produtos inclassificáveis para obter a aprovação dos reguladores e fugiram da responsabilidade por seus atos sob a proteção da Primeira Emenda", disse Joseph Mason, professor de finanças da Universidade Louisiana State. "Não há nada na proposta do Tesouro que altere isto." As propostas de classificação fazem parte de um plano mais amplo, que prevê a revitalização e a reforma dos mercados de securitização, que fornecem cerca de dois terços do crédito da economia (os bancos fornecem o restante, por meio dos empréstimos). Para impedir que bancos e outros emprestadores transformem em pacotes atraentes os empréstimos mais arriscados, o governo propôs exigir dos emprestadores que conservem 5% dos empréstimos transformados por eles em produtos financeiros, para que os bancos coloquem em jogo o seu próprio dinheiro. Apesar de essa medida obrigar os bancos a serem mais cuidadosos, os especialistas na indústria não estão certos de que o seu efeito seria este. Afinal, na crise atual, muitos bancos se viram encalhados com um número excessivo de títulos arriscados relacionados às hipotecas. "Foi por estar com a própria pele em jogo que tantos bancos se viram em dificuldades", disse Lawrence J. White, professor de economia da Universidade Nova York. *Eric Dash é jornalista

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