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Agenda de governo

É preciso ter muito cuidado para não escorregar para soluções fáceis e populistas

Por Bernard Appy
Atualização:

Qual deveria ser a agenda do próximo governo? Como economista, vou falar sobre a agenda econômica, mas é claro que existem desafios de melhoria da qualidade da ação pública em outras áreas – como segurança pública, saúde e educação.

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Também há muito o que fazer na política. A governabilidade do País não pode mais depender da compra de apoio por meio de mecanismos que, em última instância, estão fundados em alguma forma de corrupção. Os ganhos de curto prazo não compensam o custo da perda de credibilidade dos políticos e da democracia como forma de governo. A solução desse imbróglio é, provavelmente, o maior desafio do País.

Há, enfim, a agenda econômica, que é o objeto deste artigo. De modo muito simplificado, entendo que a política econômica do próximo governo (e, de modo geral, de qualquer governo) deveria ter três objetivos principais: equilíbrio macroeconômico, melhoria da distribuição de renda e aumento da produtividade.

No âmbito macroeconômico, o principal problema do Brasil é o desequilíbrio fiscal, caracterizado por uma dívida pública muito elevada e crescente, e que tem consequências de várias ordens. Por um lado, a perda de confiança na solvência do setor público leva a um aumento dos juros, onerando ainda mais o governo e prejudicando os investimentos. No limite, a alta da dívida pública pode resultar em um calote e/ou em um ajuste inflacionário, desorganizando completamente a atividade produtiva.

Por outro lado, no Brasil praticamente todo o Orçamento é despendido em benefícios previdenciários e em despesas de pessoal necessárias para a manutenção da máquina governamental. Ou seja, não há recursos para fazer outras políticas públicas, como investimentos ou a expansão da ação do governo em áreas mais necessitadas. Neste cenário, não há solução para o problema fiscal do Brasil que não passe por uma reforma da Previdência e por medidas que reduzam a rigidez e permitam a racionalização das despesas de pessoal.

A agenda de melhoria da distribuição de renda também tem várias dimensões. Para os mais pobres, as políticas distributivas mais eficientes consistem em serviços públicos de qualidade, como educação e saúde, bem como em mecanismos eficientes de transferência de renda. O ajuste fiscal é essencial para avançar com essa agenda, pois despesas mal focadas – como o pagamento de generosos benefícios previdenciários para pessoas de alta renda – reduzem o volume de recursos disponíveis para os programas sociais.

Complementarmente, é preciso eliminar distorções que permitem que parcela relevante dos brasileiros mais ricos paguem poucos impostos. É preciso tomar cuidado, no entanto, para que as medidas adotadas corrijam distorções, sem gerar um ambiente hostil para os investidores, o que pioraria o ambiente de negócios e prejudicaria o crescimento.

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Por fim, há a agenda de produtividade, também conhecida como agenda microeconômica, que trata do aumento do potencial de crescimento do País. Seu escopo é amplo, contemplando uma grande variedade de medidas.

Em especial, um dos instrumentos mais eficazes de indução ao aumento da produtividade é a ampliação da concorrência, que passa pela abertura da economia brasileira, por mudanças que ampliem a competição em mercados domésticos e por uma ampla reforma dos tributos sobre bens e serviços, que hoje se caracterizam por uma profusão de benefícios distorcivos. Medidas que buscam favorecer setores e empresas e resguardá-los da concorrência não apenas são prejudiciais à produtividade, como inevitavelmente levam a uma maior concentração de renda.

A agenda econômica para o próximo governo é relativamente clara, mas não é simples. É preciso ter muito cuidado para não escorregar para soluções fáceis e populistas, que não enfrentem os desafios do ajuste fiscal e da eliminação de benefícios setoriais, e que, em nome da correção de distorções distributivas, que efetivamente existem, acabem por criminalizar o capital. * DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

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