PUBLICIDADE

'Bolsonaro desmoraliza o liberalismo, mais do que qualquer presidente de esquerda', diz Schwartsman

Para ex-diretor do Banco Central, debandada mostra a fragilidade da 'ala fiscalista' e evidencia o descompasso entre presidente e ministro sobre a agenda liberalista

Por Douglas Gavras
Atualização:

A debandada no Ministério da Economia, segundo as palavras do próprio ministro Paulo Guedes, mostra a fragilidade da chamada ala fiscalista do governo, para o ex-diretor do Banco Central e consultor Alexandre Schwartsman. Para o economista, há um descompasso claro entre a visão do presidente e a do ministro e Bolsonaro que desmoraliza a bandeira liberal com a qual se elegeu.

A seguir, trechos de sua entrevista ao Estadão.

Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor do Banco Central Foto: Gabriela Biló/ Estadão

PUBLICIDADE

O próprio ministro Paulo Guedes disse que ocorre uma ‘debandada' no Ministério da Economia. Foi excesso de sinceridade?

Tenho a impressão de que ele tentou fazer do limão uma limonada, tocar um certo terror na opinião pública, para ver se aumentava dentro do governo o apoio ao que ele quer fazer, sendo que esse apoio está nitidamente se reduzindo. É uma tentativa meio canhestra de tentar soar o alarme de que o negócio está ficando feio nas contas públicas. Já que o ministro vai perder, os secretários estão saindo e isso é um sintoma de enfraquecimento da agenda dele, pelo menos ele coloca fervura, tentar tocar um certo terror para ver se o presidente fica mais sensibilizado, o que me parece improvável.

O ex-secretário Salim Mattar havia feito a promessa de acelerar as privatizações e deixou o cargo sem grandes resultados. As privatizações agora devem sair do radar do governo?

As privatizações já tinham saído do radar do governo. Mas a desestatização não vai fracassar porque o Salim saiu. Foi o contrário: ele resolveu ir embora por esse motivo, pelo fracasso do programa. Ele até saiu dizendo que conseguiu entregar R$ 150 bilhões. Eu não vi isso, só se ele estiver contando com os leilões de pré-sal. A grande verdade é que ninguém sabe o que o governo vai privatizar. Não se ouve falar em nada concreto do que eles pretendem. Correios? Eletrobrás? Conversa fiada. No caso de Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa, o mercado já tinha colocado fora da conta. O R$ 1 trilhão que o ministro prometia em suas palestras já tinha ido para o saco.

Bolsonaro se elegeu abraçado na agenda liberal. No entanto, os secretários deixam o governo como um sinal do afastamento dessa agenda. O presidente foi um liberal de ocasião?

Publicidade

Nem de ocasião. Ele foi oportunista, como qualquer político. Bolsonaro precisava de alguém para dar uma ‘polida’ em suas credenciais, para ganhar votos em um certo espectro da população brasileira. Tem gente na Faria Lima, representantes do mercado, que ainda acredita nessa imagem. Eu nunca acreditei, posso falar com tranquilidade sobre isso, mas basta olhar para o histórico do presidente. Na reforma da Previdência, ele lamentou quando ela foi aprovada. Bolsonaro pediu mais desculpas pela reforma da Previdência do que pelos mortos por covid-19.

O eleitor que apostou na proposta liberal deve ficar órfão?

Vai demorar mais 20 anos para que um presidente se eleja novamente com uma plataforma liberal. Bolsonaro desmoraliza o liberalismo, mais do que qualquer presidente de esquerda. E Guedes também. O presidente, por ser tosco; e o ministro, por ser raso. Eu não tenho nenhuma grande oposição a uma postura fiscalmente mais dura, à privatização e à abertura comercial. O que muita gente também notou ainda durante a campanha é que faltava um entendimento de como a política real funciona, para além das vontades ideológicas.

O ministro não demonstrou saber como Brasília funciona?

PUBLICIDADE

É importante ter uma orientação, mas aquelas coisas que ele falava, como acabar com o déficit em um ano, como ele poderia fazer isso? Ele dizia que tinha R$ 1 trilhão para receber com as privatizações, que iria fazer um regime de capitalização na Previdência. É um cara sem profundidade, que fazia o show em auditório e ainda conseguia ser aplaudido.

Falta rumo para o andamento das outras reformas?

Não se levou adiante a reforma administrativa, do pacto federativo. A gente esperou um ano e meio para que o governo mandasse sua proposta de reforma tributária e veio um projeto tímido, para dizer o mínimo. E a culpa disso tudo é do Paulo Guedes. O que ele quer mesmo é recriar a CPMF, em nome de uma suposta desoneração que levaria a um aumento de emprego. Há alguma indicação de que a desoneração teria esse efeito no emprego? Não. Mas o governo também não parece preocupado.

Publicidade

O ministro chegou a dizer que, se o teto de gastos for retirado, o presidente poderia abrir caminho para impeachment. Faz sentido?

Faz parte do show dele. Quando se quer fazer um impeachment, o Congresso dá um jeito. É um julgamento político. Dá para tirar um presidente até por falta de decoro, se eles não acharem nenhum problema fiscal. E, francamente, pela postura do presidente, o Congresso não tem dificuldade de achar exemplos de quebra de decoro. A questão é que não há condições políticas hoje para derrubar o presidente. Pelo apoio do Centrão mais o apoio popular conquistado recentemente pelo auxílio emergencial, o presidente está longe disso. Se essas condições permanecerem, ele não precisa se preocupar com isso.

Quais seriam os efeitos para o País do fim do teto de gastos?

Com a retirada do teto de gastos, talvez não imediatamente, o País perderia qualquer sustentação do ponto de vista fiscal. Ia ser um vale-tudo. A dívida crescendo indefinidamente. E, para sustentar essa trajetória, a única coisa que poderia ser feita seria colocar uma taxa de juros real negativa por muito tempo. O Banco Central deixaria de usar a política monetária para estabilizar a inflação. Um cenário terrível. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.