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‘Agora a crise é mais ampla, é de governos’, diz economista

Ao contrário da crise de 2008, que atingiu famílias e bancos, multinacionais hoje estão tirando o pé do investimento

Foto do author Márcia De Chiara
Por Márcia De Chiara e de O Estado de S.Paulo
Atualização:

SÃO PAULO - O economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, está preocupado com a desaceleração do investimento observada nos últimos meses, sinalizada pela queda nas importações de máquinas e na perda de fôlego na produção de bens de capital.

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Ele explica que, ao contrário da crise de 2008, quando as filiais das multinacionais recebiam ordem das matrizes para acelerar os investimentos aqui para compensar as perdas em outros países, hoje o cenário é de cautela: as companhias cortam investimentos para fazer caixa e enfrentar a crise. "Em 2008 foi diferente porque quem quebrou foram as famílias e os bancos. Agora, a crise é de governos, é mais ampla", afirma o economista.

Segundo ele, o reflexo no corte de investimento pode se traduzir na limitação do crescimento e em mais inflação no segundo trimestre do ano que vem. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O sr. acha que o investimento está murchando?

Todas as indicações são nessa direção. O próprio Nelson Barbosa (atual secretário executivo do Ministério da Fazenda) falou ao jornal Valor Econômico que a taxa de investimento neste ano está em 18% do PIB (Produto Interno Bruto). Ela estava perto de 20%. Vários indicadores apontam para isso. A importação de bens de capital em quantidade tomou um tombo que está passando despercebido. No terceiro trimestre do ano passado em relação ao terceiro trimestre de 2009, a importação de bens de capital tinha crescido 73%. Depois, no quarto trimestre de 2010 e no primeiro trimestre deste ano, caiu para 36%. Daí veio caindo e no último dado, que é o terceiro trimestre, houve retração de 4%. Nitidamente tem uma desaceleração. A produção doméstica de bens de capital veio de números superiores a 20% para uma expansão de apenas 4% no terceiro trimestre. Aconteceu a mesma coisa com aquele índice do IBGE de insumos típicos da construção civil. Sabemos que, do ponto de vista financeiro, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) desacelerou porque transferiu menos. E o próprio dispêndio nas contas públicas também desacelerou pesadamente, com a queda na liberação de dinheiro para investimento. Está acontecendo isso. Outra indicação de desaceleração é o atraso na execução dos projetos. Um exemplo é a unidade petroquímica da Comperj, um projeto de 2007 que deveria ter ficado pronto em 2012. Agora o projeto deve ficar pronto em 2017, com custo gigantescamente maior do que o inicial. Toda a transmissão de energia em alta tensão está atrasada. E não é só questão de licenciamento. Os projetos da Petrobrás estão atrasados.

E os custos de investimento?

Os custos de investimento estão subindo sistematicamente. Isso está mostrando que não é só falta de dinheiro. De um lado, o aumento de custos, tudo o mais constante, reduz o retorno do projeto. De outro lado, tem uma ineficiência na cadeia da oferta, que não consegue fazer o delivery das coisas. O licenciamento é importante, mas é só um pedaço da história. Tem equipamento que não fica pronto, equipamento que não atende à qualidade esperada. Essa ineficiência da oferta tem a ver com os suspeitos de sempre: impostos, falta de mão de obra especializada.

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O sr. acha que o acirramento da crise levou à desaceleração do investimento?

Em certa medida sim, por causa das multinacionais, que estão claramente tirando o pé do investimento.

Mas por que os números do investimento estrangeiro continuam tão altos?

Uma parte disso é compra de empresa e outra parte é arbitragem de juros. Em 2009 e 2010, todas as multinacionais que estavam aqui reportavam que estavam sofrendo uma pressão gigantesca da matriz para ir mais acelerado, a fim de compensar as perdas no mercado externo. Desta vez há uma inversão, especialmente no caso das empresas americanas. Elas estão apavoradas com a Europa e com o fato de os EUA voltarem a crescer mais devagar. A maior parte das empresas que está anunciando resultados acima do esperado anuncia também que está separando US$ 100 milhões, US$ 200 milhões, US$ 300 milhões para fazer ajustes. Isto é, mandar gente embora, diminuir a empresa porque está com medo do que vem adiante. Nesse caso, os investimentos são travados não por causa do que pode ocorrer no Brasil, mas no mundo. O raciocínio do empresário é que desta vez a recessão mundial não vai pegá-lo desprevenido. Eu quero estar sentado numa pilha de caixa e ter a certeza de que num cenário de estresse não terei problemas.

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Na crise de 2008 não houve esse movimento?

Na crise de 2008 foi diferente porque quem quebrou foram as famílias e os bancos. E o Fed (o banco central americano) injetou uma montanha de dinheiro. As empresas não estavam tão mal e foram basicamente beneficiadas porque rapidamente Brasil, China e outros países voltaram a crescer e as empresas globais foram beneficiadas por uma queda violenta da taxa de juros. Os bancos estavam desesperados e quando conseguiam achar um bom risco de crédito era tudo o que eles queriam. Então, as empresas estavam tranquilas. Agora as empresas estão assustadas com a recessão global que pode ou não acontecer. Nós achamos que o mais provável é que não tenha uma grande recessão, embora na Europa a situação esteja cada vez pior. Agora a crise é de governos, é mais ampla. Mais do que isso: na Europa é inevitável uma recessão. Foi o ambiente que ficou pior. Na Europa, o tumulto é muito grande. Nos EUA, há um impasse político monumental, que só vai se resolver no ano que vem. Será muito diferente se ganhar Obama ou quem quer que seja dos republicanos. Os empresários, vendo essa situação, estão preocupados e, na dúvida, põem o que puder no caixa. Em muitos casos, isso está levando à postergação de investimento. Essa redução de investimento está me deixando preocupado.

Mas os investimentos anunciados continuam crescendo?

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O indicador de anúncio de investimentos é bom, mas deve se tomar muito cuidado. Esse indicador é limitado porque investimento anunciado pode ser reprogramado. Isso, o indicador não capta. Um exemplo são as montadoras. Elas têm grandes planos de investimento que vêm vindo há algum tempo. Dadas as dificuldades do cenário internacional e da recuperação do mercado americano, onde estão as matrizes, acho que os investimentos não serão tão rápidos quanto alguns podem esperar. Estamos num momento de muito anúncio e pouca realização. Outra limitação do indicador de investimentos anunciado é que você pode até fazer o investimento mas, se ao invés de demorar três anos, demorar sete, a taxa de investimento, que é anual, cai. A fábrica é a mesma coisa, mas você dilui o investimento no tempo. Além disso, todo mundo sentiu os efeitos do dólar no último balanço, então a situação piorou. Não tem efeito no caixa, mas a dívida aumentou. Isso também ajuda a empurrar os investimentos para frente. A coisa que mais me chama atenção hoje é a murchada nos investimentos, eles estão perdendo o vigor.

Quais os reflexos do recuo do investimento?

Limitar o crescimento.

Quando essa limitação vai se traduzir em mais inflação?

Acho que aparece ao longo do segundo trimestre do ano que vem alguma coisa. Se se confirmar o cenário do governo, um derretimento mundial, vamos ter desvalorização cambial. Se tiver desvalorização, a solução de atender a demanda via importação não eliminará o risco de inflação.

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