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Agricultura anticrise?

Por Antônio Márcio Buainain
Atualização:

A última previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a safra 2008-2009 aponta uma queda de 6,1% na produção e a estimativa do IBGE para 2009 indica estabilidade da área plantada, mas redução da produção de 21 dos 29 produtos agrícolas pesquisados. Trata-se de uma perspectiva preocupante, pois entre aqueles com previsão de retração mais forte encontram-se itens relevantes para o consumo doméstico e para as exportações. Apenas feijão, arroz e cana, dentre os importantes, deverão crescer. A importância da agricultura tem sido grosseiramente subdimensionada pela sociedade brasileira, e, em consequência, pela política pública. As estatísticas de participação da agricultura no PIB (em torno de 6%) e porcentual de população rural (17% em 2000) podem ser muito enganosas. O Projeto Qualicidades, que no período 2000-2006 estudou a configuração e dinâmica das cidades brasileiras, identificou que quase 80% dos municípios dependem diretamente das atividades rurais. A "pequena" população rural representa pouco mais de 31 milhões de pessoas - superior à população de muitos países da União Europeia e de nível médio de renda - e mais de 12 milhões de pessoas estão ocupadas diretamente na agricultura. A absoluta maioria das quase 4.700 cidades com até 20 mil habitantes tem na agropecuária a única fonte local de geração de renda e ocupação. As outras são INSS e Bolsa-Família. Uma crise na agricultura teria efeitos sociais e políticos de grandes proporções, em particular porque o urbano já acumula demasiados problemas e o desemprego nos seis últimos meses praticamente anulou os ganhos registrados em 2 anos. No passado recente, em vários momentos as taxas de crescimento mais elevadas da agricultura pelo menos reduziram os efeitos negativos do baixo dinamismo da economia em geral. Pode voltar a fazê-lo se políticas adequadas forem adotadas. Quando se observam as razões imediatas que explicam o desempenho do setor em momentos de crise se constata uma combinação de mercado externo favorável, incentivos de mercado, transmitidos principalmente via taxa de câmbio, e políticas públicas que, mesmo incompletas, pavimentaram o caminho para a expansão. O contexto da crise atual é distinto das recentes anteriores. Embora a maioria tenha sido acionada por fatores externos, o comércio mundial em crescimento sempre favoreceu o ajuste via aumento das exportações - do agronegócio e industriais -, cujos efeitos positivos puxavam a retomada da economia como um todo. Tudo indica que a crise atual terá forte impacto negativo sobre as exportações industriais brasileiras, seja devido à retração do mercado seja ao acirramento da concorrência. O mercado do agronegócio não está imune a estes efeitos, mas as perspectivas para os produtos dos quais o Brasil é grande produtor e exportador não são ruins. A demanda por alimentos e matérias-primas agropecuárias apresenta certa rigidez para baixo no curto prazo, pois a tendência das famílias é proteger os gastos com alimentação; os países importadores enfrentam restrições para expandir a oferta e continuarão importando para manter a segurança alimentar - variável cada vez mais sensível politicamente. De imediato, o maior ajuste dar-se-á nos preços, mais em razão da redução do componente especulativo do que dos fundamentos do mercado (oferta e demanda). E, ainda assim, com variações entre os produtos. A questão é saber se a agricultura brasileira tem condições de enfrentar o período de transição sem perder mercado e entrar em uma nova crise. No esforço de reduzir o efeito da crise, agora reconhecida plenamente, o governo tem enfatizado os investimentos do PAC. Mesmo que todas as obras fossem implementadas sem atrasos, não seriam suficientes para impulsionar as economias da maioria dos municípios. Quando se pensa em crise, desemprego e políticas compensatórias o foco têm sido as cidades e a indústria. A agricultura e o mundo rural têm ficado de fora. O momento é oportuno para transformar a agricultura em fator amortecedor da crise, mas isto exige a identificação das ameaças a cadeias e arranjos estruturados (aves e frutas em Petrolina-Juazeiro, por exemplo) e dotar a política agrícola de instrumentos para proteger os investimentos estratégicos e impulsionar segmentos com potencial imediato de expansão. A inércia pode custar caro. *Antônio Márcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp. E-mail: buainain@eco.unicamp.br

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