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Ajuste fiscal expansionista

Contrair despesa pública em plena recessão? Afinal, a teoria econômica não nos ensina que a queda da demanda privada, típica dos períodos recessivos, deve ser compensada pela ampliação do gasto público, ou seja, por política anticíclica? Nesse sentido, a PEC 241, que estabelece teto para a evolução do gasto do governo, não poderia aprofundar a recessão, ao invés de estimular o crescimento? Tal raciocínio decorre de interpretação simplista e imperfeita da teoria keynesiana, apresentada, nem sempre com o devido rigor, na grande maioria dos livros-texto adotados pelas faculdades de Economia. Na verdade, só retomaremos o crescimento com a reordenação das contas públicas, e não é possível, agora, praticar política fiscal anticíclica no País. E isso em nada contraria as ideias de Keynes.  O britânico John Maynard Keynes (1883-1946) foi o mais importante e influente economista dos últimos cem anos. Sua maior contribuição foi mostrar que, ao contrário do que acreditavam os economistas clássicos, o equilíbrio de pleno-emprego pode não ser restabelecido de forma automática na economia de mercado, mesmo quando preços e salários são flexíveis. Muitas vezes se forma forte preferência pela liquidez e há pouco apetite para empregar os recursos em investimentos produtivos. A saída, nessas situações, é expandir os gastos do governo. Pode soar paradoxal, mas a explicação quanto à forma pela qual o ajuste fiscal brasileiro tende a contribuir para o País sair da recessão está na própria teoria keynesiana. Para Keynes, uma das causas para essa preferência à liquidez é o aumento de incerteza quanto à taxa de retorno dos investimentos no futuro. Melhor deixar o dinheiro parado do que se arriscar a empregá-lo em projetos que podem ser ruinosos. Ora, não é novidade para ninguém que o desajuste fiscal brasileiro, por sua gravidade, é uma forte fonte de incertezas. O governo, em todos os seus níveis, está em trajetória de insolvência. No caso dos Estados, que, diferentemente da União, não possuem fontes de financiamento inflacionárias e estão sujeitos a limites de endividamento, tal insolvência já é uma realidade. O economista Raul Velloso, em palestra na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, mostrou que em grande parte dos Estados, com destaque para Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro, os recursos livres à disposição dos governadores, ou seja, a receita líquida depois de deduzidos os gastos obrigatórios e o pagamento da dívida com a União, nem sequer são suficientes para bancar as pensões e aposentadorias dos inativos. Ou seja, esses Estados já estão literalmente quebrados. A situação da União também é crítica. Mesmo com a provável aprovação da PEC 241, se não se concretizar a reforma da Previdência, a reversão das desonerações tributárias e o equacionamento de fontes de financiamentos para os encargos com os inativos do setor público, a PEC não é sustentável no tempo. Daqui a três ou quatro anos não haverá mais gasto discricionário a ser cortado. A crise fiscal paira como uma ameaça de perdas futuras, tanto para empresas como para famílias, pois tende a provocar escalada da inflação, elevação de impostos ou até mesmo calote na dívida pública. Tais incertezas inibem o investimento, a disposição de tomar e de ofertar crédito e a própria demanda de bens e serviços, especialmente daqueles de maior peso no orçamento familiar, como imóveis, veículos e demais bens duráveis. Assim, não há incompatibilidade entre a teoria keynesiana e a adoção do ajuste fiscal para impulsionar o crescimento. A PEC 241 é um passo muito importante nessa direção, porque coloca o controle do gasto público no texto constitucional, mas, isoladamente, é insuficiente para equacionar a grave crise fiscal brasileira.

Por Claudio Adilson Gonçalez
Atualização:

*Economista, diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda