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Ajuste no Brasil será feito com "dor", diz FMI

Por Agencia Estado
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O principal objetivo da política macroeconômica do Brasil, no médio prazo, deve ser reduzir o endividamento público, disse nesta quarta-feira o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kenneth Rogoff, na coletiva que abriu a reunião anual do FMI e do Banco Mundial. Para quem conhece a linguagem sutil e diplomática do Fundo, fica claro que um aviso está sendo dado ao próximo governo: se não houver uma reversão significativa do sentimento negativo do mercado em relação à solvência pública, o FMI deve brigar por um superávit maior. Rogoff foi até mais explícito na entrevista ao dizer que um "programa fiscal forte" requer "um forte grau de consenso social e político". Mais adiante, ele reformulou a expressão para "um alto grau de consenso social e apoio político". As duas frases ficaram no ar, e é difícil saber se o economista-chefe estava reconhecendo como será difícil para o próximo governo cumprir as exigências do FMI; ou se estava alertando o futuro governo para a necessidade de construir um consenso em torno de um ajuste que ele próprio admite que causará "dor". Rogoff afirmou que o ajuste é particularmente difícil porque o grande endividamento faz com que as taxas de juros sejam muito altas. E isto, por sua vez, cria a necessidade de que o superávit primário (que exclui os gastos com juros) seja ainda maior. Ele enfatizou também a necessidade de o Brasil retomar o crescimento econômico, como outra forma de reduzir a relação entre a dívida e o PIB. Mas a receita para crescer, vagamente desenhada por ele, não se parece muito com a dos candidatos à Presidência. É verdade que ele usou o termo "reforma fiscal", que tanto pode se referir à reforma tributária defendida por todos os presidenciáveis, quanto a um conjunto mais amplo de reformas, que incluiria a intratável questão do déficit da Previdência Social. Em um importante documento divulgado nesta quarta, o FMI deixa claro que encara o superávit primário de 3,75% do Produto Interno Bruto (PIB), com o qual o Brasil está comprometido, como um nível mínimo (que poderia ter de ser aumentado) nos próximos anos. O FMI também explicita que considera que o elemento político - a incerteza sobre a continuidade da atual política de forte ajuste fiscal - é uma das principais causas da turbulência no Brasil. Quanto à alta do dólar nos últimos dias, Rogoff disse que ela reflete o fato de que os mercados estão trabalhando com um grau mais alto de incerteza. "Há um impacto de curto prazo, mas que pode ser facilmente revertido", afirmou. O FMI prevê que o Brasil vai crescer 1,5% em 2002 e 3% em 2003, respectivamente 1 ponto porcentual e meio ponto porcentual a menos do que as projeções de abril de 2002. Na entrevista, Rogoff divulgou a Perspectiva Econômica Global, de setembro de 2002. Esse documento bianual do FMI traz análises e previsões para a economia mundial, e também para todas as suas regiões e diversos países. Na perspectiva deste ano, há uma sessão de três páginas dedicadas ao Brasil, com um sumário da história econômica do País, vista sob o prisma do FMI desde o lançamento do Real em 1994. Nesta sessão, fica claro o ponto de vista do FMI sobre o superávit. "Dentro de hipóteses macroeconômica plausíveis, que supõe uma contínua melhora do sentimento do mercado ao longo do tempo, o superávit consolidado mínimo de 3,75% é consistente com uma redução gradual da relação entre a dívida líquida (e o PIB) no médio prazo", afirma o relatório. Na frase seguinte, diz que "o programa prevê revisões trimestrais da meta de superávit primário à luz dos acontecimentos macroeconômicos". Rogoff afirmou que o ajuste é particularmente difícil porque o grande endividamento faz com que as taxas de juros sejam muito altas. E isto, por sua vez, cria a necessidade de que o superávit primário (que exclui os gastos com juros) seja ainda maior. O FMI deixou claro que considera que há um importante fator político na atual turbulência no Brasil. Referindo ao aumento de 750 para 1.500 pontos do risco-Brasil entre março e junho deste ano, a sessão sobre o Brasil da Perspectiva diz que há várias razões, mas que "talvez, mais fundamentalmente, os participantes do mercado começaram a focalizar a sua atenção nas incertezas políticas associadas com a eleição presidencial de outubro e as suas implicações para a atual política econômica". O documento acrescenta que a deterioração do cenário econômico global foi outro fator importante. Mais adiante, referindo-se à piora da situação brasileira a partir de junho, o texto diz que "os mercados ficaram cada vez mais nervosos sobre o resultado das eleições e o que ele poderia significar para a sustentabilidade das finanças públicas no Brasil, especialmente em seguida às pesquisas de intenção de voto no início de julho". Esta foi a fase em que Luiz Inácio Lula da Silva e Ciro Gomes lideravam a disputa. No final da análise sobre o Brasil, o FMI observa que os mercados mantêm seu foco em preocupações de curto prazo sobre a necessidade de rolagem da dívida interna e sobre a disponibilidade de financiamento externo, e em questões de longo prazo ligadas ao endividamento público. "Para aliviar estas preocupações", conclui o relatório, "é crítico que se crie a confiança de que uma política econômica apropriada vai permanecer depois das eleições".

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