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Alta no preço do boi derruba frigoríficos

Oferta baixa de animais, por causa da seca, aliada ao desaquecimento do consumo, reduziu margem de lucro e já fez empresas fecharem

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Por Anna Carolina Papp
Atualização:

A baixa oferta de animais tem levado os preços da arroba do boi gordo a níveis recordes. A valorização, somada ao desaquecimento do mercado interno e à queda na demanda de grandes importadores, esmagou as margens da indústria frigorífica, ameaçando empresas de pequeno porte, que já começam a fechar as portas. Por outro lado, o aumento de custos, que vinha sendo parcialmente represado, começa a chegar ao comércio e à mesa dos brasileiros. 

Escalada.A arroba do boi chegou a R$ 149,93 na semana passada em São Paulo Foto: José Patrício/Estadão

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 Na última quinta-feira, o Indicador Esalq/BM&FBovespa do boi gordo no Estado de São Paulo bateu a máxima histórica de R$ 149,93 por arroba (equivalente a 14,689 quilos). Em 12 meses, a alta é de mais de 20%. No mercado futuro, os contratos de boi gordo na BM&FBovespa com liquidação para outubro já indicavam arroba cotada acima de R$ 160.

A disparada nos preços decorre, sobretudo, da oferta escassa de animais neste ciclo. “A seca que tivemos no ano passado reduziu o peso médio da carcaça e afetou o processo de cria”, diz Sergio De Zen, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq-USP. “O resultado foi boi em menor quantidade e de pior qualidade.”

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A valorização da arroba corroeu as margens de comercialização da indústria frigorífica, uma vez que a compra do boi responde por mais de 80% do custo dessas empresas. “A margem bruta, representada pelo indicador comparativo entre os preços da carne desossada sobre o preço do boi gordo, recuou da faixa dos 15% a 20% para cerca de 1,5% a 3% no início de 2015”, diz Maurício Nogueira, especialista em pecuária da Agroconsult. De acordo com levantamento da consultoria, a margem bruta de abril, de 1,78%, foi a menor desde julho de 2008, quando o indicador ficou negativo em 5,53%.

O impacto é maior nos frigoríficos de pequeno porte, como os que não exportam. “Os frigoríficos no momento representam o elo mais impactado pelo cenário. Colocando tudo na balança, explicam-se as notícias de férias coletivas, demissões, fechamentos de unidades ou vendas para grupos maiores”, diz Nogueira.

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Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, dois frigoríficos recentemente fecharam as portas e demitiram cerca de 800 funcionários: a Beef Nobre, em Campo Grande, e a Fribrasil Alimentos, em Caarapó, a 283 quilômetros da capital. Pelo menos duas outras empresas podem ter o mesmo destino, segundo fontes do setor.

As atividades da Fribrasil foram suspensas no fim de março e 500 funcionários foram demitidos. Já a Beef Nobre encerrou o abate na última sexta-feira. Procuradas pelo Estado, as empresas afirmaram que não havia ninguém disponível para comentar o caso.

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“Os frigoríficos grandes têm muitas alternativas: conseguem abater em outros Estados e trazer para São Paulo a um custo menor e fazem contratos a termo”, diz Alex Lopes, analista da Scot Consultoria. “Já os pequenos não têm essa opção e acabam tendo de comprar na cotação diária do boi, e isso acaba prejudicando e pressionando muito essa indústria – fechamentos e vendas, como já aconteceu em outros anos.”

Demanda. Além da oferta escassa, que deve manter o preço em patamares elevados ao longo do ano, a outra ponta, a demanda, também é motivo de preocupação. O mercado interno, que representa 80% do consumo da produção bovina do País, está desaquecido.

Já as exportações brasileiras, embora beneficiadas pela alta do dólar, caíram 17,6% em volume e em receita no primeiro trimestre na comparação com o mesmo período em 2014, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). “Grandes importadores, como Rússia e Venezuela, foram impactados pela queda nos preços do petróleo, pois dependem dessas receitas, e tiveram de renegociar contratos”, diz Lopes, da Scot.

Para Nogueira, da Agroconsult, o recuo da demanda no mercado externo é passageiro. “Acreditamos que os efeitos na queda das exportações sejam pontuais, pois a baixa observada em janeiro e fevereiro está sendo comparada com os resultados do mesmo período de 2014, que tiveram aumentos significativos e acima da média nas exportações”, diz. 

A Rússia, segundo maior importador de carne bovina brasileira em 2014, atrás de Hong Kong, chegou a figurar em fevereiro como o quinto destino. Em março, no entanto, melhorou de posição e aumentou suas importações em quase 50%, para 17 mil toneladas. Segundo analistas do banco Rabobank, em relatório trimestral, “o desenvolvimentos da situação na Rússia será uma questão-chave para as exportações de carne brasileira neste ano”. 

 

Consumo desaquecido dificulta repasse ao varejo

A principal queixa dos frigoríficos neste ano vinha sendo a dificuldade de repassar o aumento da arroba do boi gordo ao varejo, uma vez que a carne já estava em patamares elevados. Com a inflação alta e a diminuição do poder de compra do consumidor, os preços da carcaça casada de boi recuram 2,3% entre janeiro e março, segundo dados do Cepea.

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Mas, em abril, acompanhando a escalada da arroba, a carne bovina voltou a subir e bateu recorde de preço. Na última terça-feira, dia 7, a carcaça casada de boi teve média de R$ 9,48 por quilo no atacado da Grande São Paulo, o maior valor real (deflacionado pelo IGP-DI de fevereiro de 2015) da série, iniciada em 2001.

Para Lopes, da Scot, os preços no varejo se manterão altos, mas o repasse continuará parcial. “Já seria difícil repassar em momentos de economia crescendo, quanto mais em um momento de inflação alta, que mina o poder de compra da população”, diz Lopes.

Com os preço da carne pesando no bolso, o consumidor substitui a carne bovina por outra proteína, como frango, ou reduz as quantidades compradas. Segundo dados da consultoria Nielsen, de dezembro de 2014 a fevereiro de 2015, as vendas de carne industrializada no varejo cresceram 9,3%, ante 12,2% no mesmo período do ano passado, indicando desaceleração no consumo.

 

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