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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Ameaças de crise institucional

A índole autoritária do presidente Bolsonaro não permite descartar a tentativa de mais radicalização

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Atualização:

A Coluna de quinta-feira passada observava que o governo Bolsonaro está perdendo capacidade de articulação política, situação que ficava para ser mais bem avaliada em outra oportunidade. A convocação do próprio presidente para a manifestação de extrema direita contra o Congresso e o Supremo, agendada para o dia 15 de março, indica que o governo está disposto a radicalizar. E isso aumenta os riscos.

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Bolsonaro deixou de governar no “esquema antigo” que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão. Enveredou para uma forma de governo que tentou prescindir do apoio dos políticos. Nomeações e distribuição de verbas públicas passaram a ser feitas por critérios pessoais. E a comunicação com a sociedade, de forma direta por meio do Twitter ou de declarações públicas de impacto.

Tanto a Câmara dos Deputados como o Senado Federal passaram a acionar agendas políticas próprias, cujos principais resultados foram a aprovação da reforma da Previdência e da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Esta última tornou impositiva (obrigatória) a execução do Orçamento da União nos termos aprovados pelo Legislativo.

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, utiliza o celular para se comunicar Foto: Isac Nóbrega/Presidência

A princípio apenas incomodado com o protagonismo dos políticos e agora se sentindo cada vez mais contrariado por eles, o governo Bolsonaro vem manobrando para submeter tanto o Congresso como o Supremo. Já em outubro, o senador Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do capitão, advertia que o governo estava ficando sem outra opção que não a de apelar para novo “Ato Institucional Número 5” (AI-5), ou seja, para uma radicalização totalitária, equivalente à que aconteceu em dezembro de 1968, durante o governo militar, que cassou o mandato dos parlamentares por ele indesejados e suspendeu as garantias constitucionais.

A proposta (ou ameaça) do senador foi então rechaçada pelas autoridades do Congresso e do Supremo, por governadores e pela opinião pública. Quando se pensava que não se falaria mais nisso, eis que, em 18 de fevereiro, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, até então considerado uma espécie de bombeiro dentro do Palácio do Planalto, acusou o Congresso de “chantagear o governo”, com objetivo de aumentar o controle sobre os recursos do Orçamento da União, algo que, como disse, não poderia ser tolerado.

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O crescimento da tensão entre o governo e os políticos não se limita às relações com o Congresso. Vem extravasando também para a relação com os governadores, tanto no que diz respeito à taxação dos combustíveis como também às ações das polícias estaduais.

A família Bolsonaro durante o feriado de carnaval, no Guarujá (SP) Foto: Reprodução

Vai ficando claro que Bolsonaro já não se limita a tentar acordos com os políticos. Pretende mesmo submetê-los. A convocação de manifestações para o dia 15 contra o Congresso e o Supremo pressupõe que esteja à procura de apoio na direita radical para garantir uso de força não convencional para seus propósitos. Não está claro em que bases pretende se sustentar para dar esse passo autoritário. Por enquanto, quer testar a mobilização de massas, aparentemente por ignorar que foi eleito apenas porque a população não queria mais um governo do PT. Mas também namora ações coordenadas por determinadas milícias e, quem sabe, de uma sublevação militar.

A ameaça de uma crise institucional parece cada vez maior. Nos últimos 60 anos, nas vezes em que impasses como esse ultrapassaram determinados limites, o desfecho foi a renúncia (caso de Jânio Quadros), a deposição do governo por um golpe (caso de João Goulart) ou o impeachment (casos de Fernando Collor e de Dilma Rousseff).

Do ponto de vista econômico, as principais vítimas podem ser o atraso nas reformas, quebra da confiança que mal começava a se recuperar (veja o gráfico), novos adiamentos de investimentos e maior emperramento da atividade.

Por enquanto, ainda há campo para negociação e construção de entendimento. Mas a índole autoritária do presidente não permite descartar a tentativa de mais radicalização.

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Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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