Publicidade

Análise: Apesar de afago de Bolsonaro, Guedes ainda não ganhou a ‘guerra’

Enfraquecimento do presidente e aproximação com o Centrão podem levar a guinada na política econômica

Foto do author José Fucs
Por José Fucs
Atualização:

Em meio às especulações de que, após a saída do ex-ministro Sérgio Moro, o ministro Paulo Guedes seria a “bola da vez”, o presidente Jair Bolsonaro lhe fez um afago providencial, ao dizer que ele é “o homem que decide economia no Brasil”. Com isso, passou um recado importante não apenas ao mercado, mas também aos colegas de Guedes na Esplanada dos Ministérios e aos políticos que defendem uma guinada radical na economia e conspiram para tirá-lo do cargo.

Jair Bolsonaro, presidente da República, e seu ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

PUBLICIDADE

Embora tenha dado fôlego extra a Guedes, o gesto de Bolsonaro está longe de significar que ele ganhou a guerra. O enfraquecimento do presidente e sua tentativa de se aproximar do Centrão, para construir uma base de sustentação no Congresso, poderão torná-lo refém justamente das forças políticas que estão por trás dos ataques a Guedes.

São elas que operam na sombra para dar ao Plano Pró-Brasil, que está sendo preparado pelo governo para alavancar o crescimento econômico no pós-pandemia, um perfil mais desenvolvimentista, semelhante ao adotado nos governos petistas, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e no regime militar.

Como a capacidade de investimento do governo está quase toda comprometida por gastos de custeio da máquina, a ideia é ampliar os gastos públicos com recursos extraorçamentários e flexibilizar o teto de gastos, que limita as despesas de um ano ao total do ano anterior corrigido pela inflação (leia mais).

As duas propostas são rechaçadas de forma categórica pela equipe econômica, por ameaçar o equilíbrio das contas públicas e a retomada sustentável do crescimento. Mas Bolsonaro, que está ameaçado de sofrer um processo de impeachment e sob investigação do Supremo Tribunal Federal (STF), pode não ter outra opção além de se jogar nos braços do Centrão, para garantir sua sobrevivência no cargo. Mesmo que isso o leve a colocar a cabeça de Guedes a prêmio e a comprometer ainda mais seu discurso de campanha contra a “velha política”, da qual o Centrão é a expressão mais bem acabada.

Turbulências no Congresso

Preocupado com o desempenho de seus candidatos nas eleições municipais deste ano e envolvido numa disputa feroz pela sucessão do deputado Rodrigo Maia na presidência da Câmara e de Davi Alcolumbre no Senado (ambos do DEM), o apetite do Centrão por cargos em ninhos tradicionais de corrupção,que dispõem de orçamentos polpudos, está mais insaciável do que nunca. O grupo quer dinheiro na mão e não parece nem um pouco preocupado com o efeito da farra fiscal na inflação, nos juros e na dívida pública.

Publicidade

Tal estratégia, testada no governo Dilma e em outras ocasiões ao longo da história, acabou levando o País à maior recessão de todos os tempos e à perda de confiança dos investidores na política econômica. Na semana passada, só com o ruído em torno da possível saída de Guedes do governo, a taxa futura de juro para o final deste ano subiu cerca de 1 ponto porcentual, de 2,5% para 3,5% ao ano, o que pode representar, se confirmada mais à frente, um custo adicional de cerca de R$ 80 bilhões por ano na rolagem da dívida pública.

Alguns analistas temem que Bolsonaro siga o mesmo destino do ex-presidente Michel Temer depois da divulgação da gravação de sua conversa com o empresário Joesley Batista. Temer conseguiu o apoio do Centrão para sobreviver ao impeachment, mas teve de abandonar a reforma da Previdência e não conseguiu aprovar mais nada relevante no Congresso.

Se isso se repetir agora, caso a aliança com o Centrão seja concretizada, a atual política econômica e a agenda de reformas podem entrar na “linha de tiro”. Guedes poderá até permanecer no cargo, mas provavelmente acabará neste cenário como o ex-ministro da Fazenda de Temer, Henrique Meirelles, que teve seu papel esvaziado durante o processo.

É real também a possibilidade de que, apesar das juras de amor a Guedes, para mantê-lo no governo neste momento de turbulências políticas e de pandemia, Bolsonaro acabe, ele próprio, encampando as propostas do Centrão. Afinal, à revelia de Guedes, o presidente deu seu aval à articulação do Plano Pró-Brasil e parecia inclinado a apoiar as propostas de aumentos de gastos e de flexibilização do teto até manifestar publicamente seu apoio ao ministro, na segunda-feira, 27. Na semana passada, Bolsonaro esteve presente, inclusive, no ato de lançamento do plano, ao qual o ministro não compareceu, deixando explícita sua contrariedade com a gastança defendida por alguns de seus pares.

PUBLICIDADE

Privilégios

Não dá para ignorar que, antes de celebrar seu “casamento” com Guedes, o presidente marcou sua trajetória política por posturas corporativistas e pela defesa da intervenção estatal na economia e a ampliação de gastos públicos.Não será uma surpresa, portanto, se ele tiver uma “recaída” e deixar para trás o liberalismo que abraçou para viabilizar sua eleição e ao  qual vem tentando, aos trancos e barrancos, se alinhar.

Desde a posse, Bolsonaro já mostrou várias vezes que, na hora de tomar decisões doloridas para acabar com privilégios, ele acaba sendo fiel às origens. Foi o que aconteceu quando ele vetou a inclusão do fim da estabilidade para os atuais servidores na proposta de reforma administrativa alinhavada pela equipe econômica e quando insistiu em manter benefícios para as forças de segurança e outras categorias profissionais na reforma da Previdência.

Publicidade

Mesmo neste quadro adverso, ainda há a possibilidade, é claro, de que o Centrão acabe deixando para trás a proposta de arrombar os cofres públicos e flexibilizar o teto de gastos e apoie a agenda reformista de Guedes. Mas, além de parecer um cenário menos factível no momento, mesmo com a declaração de Bolsonaro em apoio ao ministro, isso ainda dependeria de o “sangramento” do presidente ser contido, para ele depender menos do Centrão -- algo que, hoje, é difícil prever.

Voo de galinha

Mais do que o cargo de Guedes, o que está em jogo hoje são os rumos do País nos próximos anos. Se o governo enveredar mais uma vez pelo caminho da irresponsabilidade fiscal, a economia poderá até reagir no curto prazo, mas será certamente um novo voo de galinha. Como no passado recente, a gastança sem lastro afasta ainda mais o tão almejado crescimento sustentável, ao turbinar a inflação e os juros, prejudicando principalmente os mais pobres, e ampliar o rombo nas contas públicas. Pode levar também a um inevitável e indesejado aumento na carga tributária para cobrir o buraco, o que acabaria por asfixiar ainda mais a economia.

Frente à retração gerada pela pandemia no nível de atividade econômica, há um relativo consenso entre os economistas de que é preciso ser criativo para impulsionar a retomada, mas dentro dos recursos orçamentários. Agora, isso é bem diferente da concessão de um salvo conduto para a folia fiscal. Ao final, como sempre, os contribuintes é que vão pagar a conta.