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Análise: Mudam governos, mas soluções de compensação para alta de combustíveis são sempre as mesmas

Historicamente, Petrobrás ou Tesouro pagaram o preço das medidas; Bolsonaro defende mudança na cobrança do ICMS

Por Anne Warth
Atualização:

BRASÍLIA - A discussão não é nova e retorna sempre que uma crise provoca aumento nas cotações de petróleo: como conter as oscilações dos preços de combustíveis em um País cujo transporte se dá majoritariamente por rodovias? 

A tentação de resolver o problema passa por governos de todos os espectros políticos, e as possíveis soluções tampouco são inovadoras. Historicamente, ou a Petrobrás ou o Tesouro pagaram o preço das medidas. Soluções mais complexas, que envolvem mudanças na tributação, são sempre lembradas nas crises, mas costumam ser abandonadas em semanas, quando a cotação do petróleo recua ou se acomoda.

Bolsonaro quer que Estados ajudem para diminuir o preço do diesel por meio do ICMS. Foto: Gabriela Biló/ Estadão

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“Quando a febre deixa de existir e o problema passa, as pessoas se acomodam. Só se preocupam de novo quando a febre volta. Isso não deveria acontecer. É algo que precisa ser resolvido de forma definitiva”, diz o presidente da consultoria Datagro, Plinio Nastari.

A crise que levou à alta do petróleo foi motivada pelo ataque norte-americano ao aeroporto de Bagdá, matando o general iraniano Qassim Suleimani. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse que o governo estuda criar mecanismos de compensação que evitem uma flutuação tão intensa nos preços dos derivados, mas não deu mais detalhes sobre essa solução. “Subsídio para combustíveis não é a palavra adequada. Compensação talvez seja a palavra adequada”, afirmou.

Embora Albuquerque tenha feito mistério sobre as medidas, a verdade é que não há tantas alternativas a serem adotadas pelo governo. Nos governos do ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, coube à Petrobrás assumir essa missão de equalizar preços, repassando, com defasagem, as variações da cotação internacional do petróleo aos combustíveis vendidos no mercado interno. Essa política gerou prejuízos bilionários para a companhia, mas, por um tempo, conteve os índices de inflação. Por isso, na segunda-feira, o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, se apressou em dizer que não foi pressionado a congelar os preços dos derivados da companhia.

Em 2016, o governo Michel Temer restabeleceu a política de liberdade de preços da Petrobrás e, no ano seguinte, a companhia começou a repassar toda variação internacional aos combustíveis. Mas, em 2018, pressionado por uma greve de caminhoneiros que causou uma crise de desabastecimento sem precedentes na história brasileira, o governo criou um subsídio ao diesel, reduzindo as alíquotas de PIS/Cofins e zerando a Cide sobre o combustível. O Tesouro gastou bilhões com a medida, anunciada em maio de 2018 e que vigorou até o fim daquele ano. Crítico contumaz de subsídios, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não renovou a medida.

Cide

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Outra proposta que sempre volta às discussões quando a cotação do petróleo sobe é a criação de um fundo de compensação, que seria abastecido com recursos da Cide – contribuição incidente sobre combustíveis. Criada em 2001, a contribuição foi concebida justamente para funcionar como um instrumento flexível para acomodar flutuações de preços e atenuar a transmissão da volatilidade ao consumidor.A resistência a esse tipo de medida vem da área econômica. No passado, nem a Receita Federal nem o Tesouro Nacional aceitaram abrir mão das receitas da Cide.

“A Cide nunca exerceu esse papel em sua história. Sempre foi usada de forma arrecadatória ou política, através de decisões erráticas que vários governos tomaram”, diz Nastari. “Mas o mecanismo existe: é só aplicar a Cide do jeito que for originalmente desenhada ou aprovada. Não precisa criar nada”, acrescenta.

No momento atual, isso se torna desafiador, pois a Cide está zerada para o diesel, é de apenas R$ 0,10 por litro de gasolina e não incide sobre o etanol. Para Nastari, seria preciso aproveitar um momento de cotação mais baixa para que a medida fosse aplicada. Nesse modelo, o governo teria de assumir que, em momentos de cotação mais baixa, o imposto será maior, para que, em momentos de alta, o imposto possa cair. As receitas arrecadadas com o imposto seriam usadas justamente para compensar essas variações.

Na avaliação de Nastari, o incômodo da sociedade brasileira não é exatamente com o patamar dos preços dos combustíveis, mas justamente com sua excessiva variação – tanto é que, segundo ele, o preço do diesel atingiu seu ápice meses antes da greve dos caminhoneiros de 2018. A Cide flexível seria uma solução, diz ele.

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“A volatilidade de preços tem sido relativamente baixa nos últimos dois ou três anos, e isso traz a impressão de que nada precisa ser feito. No entanto, toda vez que surge uma ameaça de aumento de preços, essa reação ressurge, e é sempre na alta, nunca na baixa. Ora, se o objetivo é mais estabilidade, é preciso implementar mecanismos que capturem essa volatilidade. Já temos esse instrumento. É a Cide”, explica.

Nos EUA, segundo Nastari, a população convive perfeitamente com essa volatilidade e a transmissão direta dos movimentos do atacado na ponta. Na Europa, porém, há mecanismos de amortecimento. A Noruega, destaca ele, usa um fundo soberano para atenuar essas variações de preços.

ICMS

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A exemplo do que o presidente Jair Bolsonaro tem falado nos últimos dias, o governo Temer também chegou a cobrar dos Estados que colaborassem para reduzir o preço do diesel, durante a greve dos caminhoneiros. O ICMS representa um terço do preço final dos combustíveis.

As possibilidades cogitadas na época eram reduzir a frequência do ajuste do preço médio, atualizado quinzenalmente pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), ou impor um teto nas alíquotas de ICMS por meio de projeto de lei. Nenhuma delas foi aplicada na época e, agora, a o tema voltou a ser retomado.

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Cada Estado tem liberdade para definir sua alíquota de ICMS, e o imposto é ad valorem – ou seja, sua alíquota é definida em um porcentual do preço. É um modelo diferente do aplicado em impostos federais, em que há um valor fixo por litro de combustível – ad rem. Por isso, cada vez que a cotação do petróleo sobe ou que o câmbio perde valor ante o dólar, a arrecadação dos Estados sobe também.

Na segunda-feira, Bolsonaro apelou para que os governadores considerassem aplicar o ICMS sobre o preço do combustível nas refinarias, e não sobre o valor que chega ao consumidor final. Ele mesmo reconheceu, no entanto, que as dificuldades financeiras dos Estados dificultam a aplicação da medida.

Para Nastari, a melhor alternativa é não contar com os Estados. “Sinceramente, há muita dificuldade de consenso no Confaz. São 27 cabeças. É possível, mas improvável. A solução mais viável e prática é a União assumir essa responsabilidade a instaurar mecanismos de tributo flexível, que já existem”, diz.