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Economia e políticas públicas

Opinião|Anatomia do desastre fiscal

Nos três anos de grande ajuste fiscal, a despesa real caiu exatamente 3%

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

Nos últimos 16 anos, a despesa primária real (descontadas transferências legais e constitucionais a Estados e municípios) ‘ajustada’ do governo central cresceu a uma média de 4,6% ao ano, enquanto o PIB cresceu a 3,2%. Não espanta, portanto, que o País esteja encalacrado na maior crise fiscal em muitas décadas. A despesa simplesmente cresceu muito acima da renda do País. Uma hora a carga tributária não tem mais como aumentar.

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O ajuste mencionado acima é um valioso trabalho de decifração e simplificação das contas públicas brasileiras, para que despesas e receitas reflitam de fato o que economicamente se gastou e se arrecadou, realizado por dois economistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): Sergio Gobetti e Rodrigo Orair.

Os procedimentos dos pesquisadores são complexos e detalhados. De forma simplificada e resumida, pode-se dizer que eles partem de números já trabalhados pelo Banco Central para eliminar as distorções das pedaladas fiscais – que fazem, por exemplo, com que em 2015 seja contabilizada uma montanha de despesas que se realizaram economicamente ao longo de vários anos. Gobetti e Orair realizam várias outras “limpezas” e acréscimos a partir desse ponto. Um caso típico são despesas e receitas meramente contábeis, que inflam artificialmente a verdadeira trajetória de crescimento ou queda do gasto e da arrecadação.

Os economistas incluíram também nas contas a despesa dos chamados subsídios implícitos do BNDES. O banco tem linhas de empréstimo com subsídio explícito. Isto é, o BNDES empresta a empresas mais barato do que permitiriam o seu custo de captação, o custo administrativo e a sua remuneração. O Tesouro entra com a diferença, que consta do Orçamento e é despesa primária – aliás, um dos gastos “pedalados”.

O subsídio implícito, por outro lado, está nos imensos empréstimos que o Tesouro fez ao BNDES. Foi um dinheiro captado pelo Tesouro por taxas bem mais altas do que aquelas que ele cobra do banco para lhe emprestar o dinheiro. É claro que o Tesouro perde. Mas essa perda normalmente entra na conta de juros, e não na despesa primária. Gobetti e Orair colocaram-na na despesa primária porque não deixa de ser um gasto do governo para subsidiar empresas, a quem o BNDES repassa o dinheiro barato. Bem, depois de toda essa trabalheira, que incluiu reorganizar as despesas para que ficassem mais claros os diferentes tipos de subsídio, o mais relevante é ver quais foram os resultados. E surgem diversos achados interessantes.

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Além da já mencionada discrepância entre o crescimento do gasto e do PIB ao longo de vários governos – que já era conhecida, mas foi melhor medida –, salta aos olhos o fiasco da política de subsídios e desonerações da malfadada nova matriz econômica da presidente Dilma Rousseff. Como explica Gobetti, no segundo mandato de Lula o “espaço fiscal” foi usado para aumentar o investimento público, que subiu 21,4%. Já no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, o investimento público (que também foi ajustado para refletir o que é investimento para valer) caiu 1,1%, os subsídios subiram 23,8%, e as desonerações contribuíram para a forte desaceleração da receita. O PIB, por sua vez, cresceu em média 4,6% nos quatro últimos anos de Lula, e apenas 2,2% nos quatro primeiros de Dilma. Gobetti diz que isso não é uma prova, mas um indício de que foi melhor investir do que desonerar e subsidiar.

Outro achado interessante é que nos três anos de grande ajuste fiscal, 1999, 2003 e 2015, a despesa real caiu 3%, o que é uma coincidência (já que a composição da queda foi diferente), mas indica talvez o limite máximo do “aperto de cinto” de emergência no Brasil. Com o trabalho de Gobetti e Orair, fica ainda mais claro que a atual crise fiscal era um desastre marcado para acontecer, pois nenhum país pode gastar indefinidamente acima do crescimento da sua renda.

*Colunista do Broadcast, serviço de informações da Agência Estado, e consultor do Ibre/FGV