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Ancoragem difícil

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Por Redação
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A pesquisa Focus, que o Banco Central (BC) faz semanalmente com cem instituições do setor financeiro, confirmou ontem a rápida deterioração das expectativas do mercado sobre o comportamento da inflação brasileira. Os agentes econômicos já esperam para este ano uma inflação de 5,24% (veja gráfico). E, se forem tomadas apenas as expectativas das cinco instituições que mais têm acertado os prognósticos, as chamadas top 5, os números vão além, para uma inflação de 5,47%. O presidente Henrique Meirelles tenta retomar a iniciativa na formação da cabeça dos remarcadores de preços. Há dias vem advertindo que o BC vai operar sua política monetária (política de juros) de forma a trazer de volta a inflação para a mosca do alvo, ou seja, 4,5% ao ano. Nessa briga, o maior inimigo do BC é a falta de unidade do governo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, continua divergindo no diagnóstico e na estratégia de ação. Para ele, não há o que fazer contra a inflação quando a maior parte dela provém do choque de oferta dos alimentos, cujos preços são, em última análise, definidos nas bolsas internacionais de mercadorias e, portanto, não podem ser atingidos pela política de juros. Enquanto isso, o BC insiste em que a maior parte da inflação brasileira é gerada por uma demanda mais forte do que a capacidade de oferta da economia. Daí por que é preciso conter o excesso de procura pelo aumento dos juros que, ao mesmo tempo, encareça o crédito e encoraje o consumidor a aplicar no mercado financeiro uma parcela maior de sua renda. Às vezes, no entanto, Mantega parece discordar de si próprio. Quando, por exemplo, sugere que algo seja feito para frear a expansão do crédito, parece aceitar o argumento do BC de que parte considerável da inflação seja causada pela disparada do consumo. Esse aumento da demanda tem explicação clara: as despesas correntes do setor público crescem ao ritmo de 12% ao ano. Assim, o dinheiro injetado na economia pelo governo na forma de salários, aposentadorias, investimentos, pagamentos a empreiteiras, etc., é quase instantaneamente transformado em consumo. Essa é a razão pela qual analistas de todas as tendências insistem em que o BC não seja deixado sozinho na tarefa de enquadrar a inflação. É preciso - recomendam - que o governo reduza implacavelmente suas despesas. Na prática, isso equivale a aumentar o superávit primário (parcela da arrecadação para o pagamento da dívida), o que, para ter efeito imediato nas expectativas, teria de ser anunciado como compromisso do governo. A próxima reunião do Copom está agendada para o dia 4 de junho e os juros lá fixados não mostrarão serviço antes de janeiro ou fevereiro do ano que vem. Se o governo Lula não optar por forte aumento do superávit, o BC terá de enfrentar a inflação apenas com os juros. Assim, para ancorar as expectativas e empurrar a inflação para o centro da meta ainda neste ano, o BC terá de ser muito agressivo. Isso significa que enfrenta um duplo risco: ou de trabalhar com doses cavalares de juros; ou de aceitar para este ano uma inflação acima da meta, o que sacrificaria sua credibilidade. CONFIRA Não cola - O governador José Serra alega que pretende vender a Nossa Caixa ao Banco do Brasil porque só um banco oficial pode ficar com os R$ 12 bilhões em depósitos judiciais que lá estão. Se é assim, os dois únicos bancos capacitados seriam o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Bastaria que o acionista majoritário (Tesouro Nacional) determinasse qual deles receberia esses depósitos. Assim, o Banco do Brasil não precisaria pagar R$ 5,7 bilhões pela Nossa Caixa. Teria de graça os R$ 12 bilhões em depósitos judiciais.

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