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Ano escolar perdido ameaça renda e produtividade no longo prazo

Temor dos especialistas é que, por falta de estímulo ou por necessidade, jovens abandonem a escola para antecipar a busca por emprego, comprometendo sua qualificação

Por Idiana Tomazelli
Atualização:

BRASÍLIA - Oito meses após o fechamento de escolas devido à pandemia do novo coronavírus, a falta de um plano concreto para retomar as atividades escolares acendeu o alerta para as consequências negativas que os prejuízos no aprendizado podem ter sobre a desigualdade de renda e o crescimento futuro da economia. 

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No limite, o ano perdido poderia subtrair R$ 1,5 trilhão da renda dos brasileiros em meio século, estima o professor Ricardo Paes de Barros, um dos maiores especialistas em desigualdade do País (leia entrevista completa aqui). O dano seria equivalente a um Bolsa Família por ano.

Um estrago desse tamanho não deve se concretizar porque alguns alunos seguiram tendo algum tipo de atividade remota ao longo de 2020. E mesmo quem foi prejudicado ainda poderá recuperar o tempo perdido. Mas o valor expressivo dá uma ideia do que está em jogo.

Educação a distância não chega a todos os alunos Foto: Alex Silva/Estadão - 12/8/2020

Gestores, especialistas em educação e economistas se dividem entre o temor de uma reabertura desordenada e o risco de o déficit no aprendizado aprofundar o abismo salarial já existente entre classes de renda, afetando a produtividade dos futuros trabalhadores. Cada ano adicional de estudo significa maior capacitação e, consequentemente, mais oportunidades e melhores salários.

Para uma parcela de alunos, aulas remotas se tornaram o principal canal de aprendizagem durante a pandemia. Mas a realidade está longe de ser homogênea entre os Estados. Em São Paulo, que tem uma das maiores rendas per capita do Brasil, 5,2% dos alunos do ensino fundamental não tiveram atividade escolar no mês de setembro, segundo dados da Pnad Covid-19 coletada pelo IBGE. No Pará, com menos da metade do PIB per capita paulista, essa proporção é de 39,3%.

A situação se agrava no ensino médio, que abriga os jovens já mais próximos do mercado de trabalho e que, segundo os especialistas, estão mais expostos ao risco de largar a escola para antecipar a busca por emprego. No Pará, 63,9% dos estudantes do ensino médio não tiveram nenhuma atividade em setembro, contra 8,2% em São Paulo.

Economistas reconhecem o risco para a geração que hoje está na escola, mas ressaltam que é possível reverter esse processo. Eles são unânimes em destacar a importância do Ministério da Educação como coordenador do processo de retomada das aulas. 

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A avaliação é que será necessário traçar uma estratégia eficaz de recuperação das aulas e do aprendizado, possivelmente direcionando ações a grupos mais afetados ou com maiores dificuldades. Tudo precisaria ser feito respeitando protocolos sanitários.

Desde o dia 23 de outubro, a reportagem tenta obter um posicionamento do MEC. A assessoria de imprensa foi contatada por e-mail, telefone e aplicativo de mensagens em mais de uma ocasião. Não houve resposta aos questionamentos. No fim de setembro, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, declarou ao Estadão que a volta às aulas no País e o acesso à internet pelos alunos não são temas da pasta.

Danos

Nos últimos anos, a estagnação da produtividade brasileira tem sido apontada como um fator para o baixo crescimento do País. A desigualdade de renda havia interrompido o processo contínuo de queda e vinha se ampliando no Brasil. Os efeitos da suspensão das aulas podem potencializar os problemas, embora os especialistas ressaltem que um bom planejamento e um reforço em recursos podem dar conta da tarefa de conter os prejuízos.

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O economista Rodrigo Soares, professor licenciado da Universidade de Columbia e professor do Insper, avalia que há risco para os estudantes que estão em “momentos-chave” para a formação e o aprendizado, como aqueles em fase de alfabetização. “Os primeiros anos de educação formal são muito importantes para estabelecer uma base para o que será desenvolvido posteriormente”, afirma.

“Prejudicando esses momentos chave, é possível acabar afetando os anos totais de escolaridade que essa criança venha a ter. É possível que ela acabe tendo menos anos de estudo, menos probabilidade de ir à faculdade, e tudo isso está relacionado à competitividade no mercado de trabalho”, avalia Soares.

As diferenças socioeconômicas também podem ser ainda mais determinantes para o aprendizado – ou a falta dele – no período da pandemia. O nível de renda da família e até sua localização geográfica influenciam a qualidade da conexão de internet, por exemplo. Dados da Anatel de 2019 mostram que 3,4 milhões de brasileiros vivem em áreas sem qualquer antena disponível para conexão de dados móveis.

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“Claramente vai ter uma queda de aprendizado dos alunos este ano, que vai ser bastante desigual. Você tem alunos pobres, que vão aprender bem menos porque não têm acesso à internet, moram em casas lotadas, os pais não conseguem ajudá-los”, afirma o economista Naércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper.

Obstáculos

Mesmo com o diagnóstico do prejuízo escolar já traçado, a falta de um controle mais rígido da contaminação por covid-19 é um obstáculo importante à retomada das aulas. Como mostrou o Estadão, oito em cada dez cidades ouvidas pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) não veem condições sanitárias para reabrir as escolas.

O economista Arnaldo Lima, diretor de Estratégias Públicas da MAG Seguros e ex-secretário de Educação Superior do MEC, lembra que as salas de aula no Brasil têm um número médio de alunos maior que os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). São 23 alunos, em média, no ensino fundamental, e 27, no ensino médio, contra 21 e 23 na média da OCDE, respectivamente.

“Isso prejudica a retomada. Quanto menor o número de alunos, mais fácil é fazer retomada observando os protocolos”, afirma Lima, que reforça o papel estratégico do MEC na discussão. “Seria importante o MEC liderar. Claro que ensino fundamental fica a cargo dos municípios, e o ensino médio com os Estados, mas a educação federal tem função suplementar e de coordenação”, avalia.

A questão do uso da tecnologia no ensino também precisa ser discutida, na visão de especialistas. “É preciso que a inclusão digital deixe de ser um serviço para se tornar um direito fundamental”, defende o doutor em Educação Gregório Grisa, professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS)

A medida se torna ainda mais imperativa porque, em sua avaliação, o ensino remoto continuará acompanhando os alunos durante um bom tempo diante da dificuldade do Brasil em conter a pandemia. “É urgente reabrir as escolas, mas se até agora não se conseguiu fazer o básico, a tendência é ter um retorno improvisado”, alerta Grisa.

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