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Apagões, racionalizações e racionamentos

Por Claudio J. D. Sales e Eduardo M. Monteiro
Atualização:

A sociedade brasileira não tem recebido mensagens claras sobre a abrangência e profundidade da atual crise de fornecimento de energia elétrica. Ora se ouve apagão, ora racionalização, ora racionamento, como se fossem sinônimos ou representassem escolhas semânticas para suavizar os impactos políticos temidos pelos marqueteiros. Quando se soma a confusão terminológica à exploração política do tema, chega-se a um cenário que vai adiando as ações necessárias para diminuir os efeitos da crise. Um apagão é uma interrupção não programada de fornecimento de eletricidade por uma ocorrência externa (acidentes, queimadas, tempestades) ou interna (sobrecargas, falhas de equipamento, erro operacional, energia insuficiente). Já um programa de racionalização consiste em atuar sobre o lado da demanda, informando aos consumidores usos de energia mais eficientes e desestimulando desperdícios. E um racionamento envolve um ato de Estado que impõe, do lado da demanda, a redução de consumo e, do lado da oferta, a redução dos compromissos contratuais originalmente assumidos pelas empresas de forma a reequilibrar os novos patamares de fornecimento. Os níveis baixíssimos de reservatórios das usinas hidrelétricas, mesmo com o parque de termoelétricas totalmente em operação, apontam para a necessidade de o governo iniciar imediatamente, sob sua liderança, a discussão estruturada e transparente das regras de um eventual racionamento, que pode se tornar necessário em 2015. Ninguém deseja que ele seja decretado, pois todos sabem de seus efeitos negativos sobre as cadeias consumidoras e produtivas. Mas negar o risco de que ocorra e optar por campanhas de "racionalização/conscientização" não dão conta das medidas que eventualmente terão de ser tomadas e que atingiriam profundamente a sociedade. Preocupam o dirigismo e a interferência política que parecem estar se desenhando: fontes têm reportado que o governo quer impor às distribuidoras de energia a forma e o conteúdo de tais campanhas, proibindo o uso de termos como "racionamento" e "restrição de oferta", na tentativa de passar a ideia de que o problema não existe. O governo pode tentar adiar o reconhecimento da crise, mas, se as chuvas não vierem em volume suficiente até o fim de abril, os reservatórios hidrelétricos não serão recompostos de forma a permitir que atravessemos o período seco, que se estende até novembro, com energia suficiente. A única alternativa será decretar o racionamento - um fenômeno controlado - para evitar, aí sim, apagões sem controle. O problema é que regras que disciplinam uma crise têm de ser definidas antes de instalada a crise. Para ter ideia da complexidade envolvida num racionamento de energia, em 2001 foram formadas nove equipes, com dezenas de especialistas, que trabalharam por meses, antes do início do racionamento. Preparar um país para o racionamento significa definir antecipadamente um conjunto de regras que podem ser agrupadas, pelo menos, em quatro categorias: diferentes metas de redução compulsória de consumo associadas a cenários; critérios de incentivos e penalidades para promover o cumprimento das metas; indicadores e "gatilhos" objetivos que acionariam o início e definiriam a profundidade do racionamento; e ajustes contratuais para amarrar e redistribuir todos os compromissos entre geradores, transmissores, distribuidores e consumidores de energia. O adiamento dessa preparação nos submete ao pior dos mundos: o do improviso, em que se multiplicam custos, atrasos, disputas judiciais e o próprio risco de desabastecimento. O governo precisa liderar este esforço com transparência absoluta para que o racionamento, se necessário, tenha duração (meses) e profundidade (redução compulsória de consumo) menores, reduzindo custos e riscos. Em vez de temer o desgaste político, o governo deveria confiar na capacidade de reação positiva de uma sociedade que se sinta bem informada. Afinal, já não há mais espaço para discursos desconectados da realidade.*Claudio J. D. Sales e Eduardo M. Monteiro são presidente e diretor executivo do Instituto Acende Brasil. Site: www.acendebrasil.com.br 

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