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Aperto fiscal combina com elevação de juros?

A coerência das medidas econômicas é um dos aspectos mais relevantes das discussões sobre alternativas da política econômica ou da economia política. Como não há decisões econômicas neutras, nem tampouco indolores, a questão é sempre levar em conta a relação custo-benefício de cada escolha. No curto prazo, entre nós, chama a atenção o descompasso entre o objetivo de ajuste fiscal e a contínua elevação dos juros. O ajuste de qualidade a ser realizado, ao contrário do que está sendo praticado, seria cortar gastos correntes, preservando os investimentos e os programas sociais, pois, além de mais justos, geram efeito multiplicador sobre a economia. É importante gerar um superávit primário, e a meta para o ano é de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas a questão fundamental é quando se considera o resultado consolidado no âmbito nominal, isto é, incluindo o pagamento de juros sobre a dívida pública. Isso porque o Brasil é de longe o país que mais paga encargos sobre a sua dívida. No ano passado foram R$ 311 bilhões (6,1% do PIB), valor que deve subir para cerca de R$ 400 bilhões este ano. Não, você não entendeu errado, caro leitor. Vamos pagar R$ 89 bilhões adicionais de uma conta já salgada de encargos sobre a dívida pública! Ou seja, todo o esforço fiscal a ser obtido no âmbito das contas públicas primárias, com aumento de impostos e corte de gastos e de investimentos, será insuficiente para arcar com o acréscimo do pagamento de juros. Para financiar a diferença, o Tesouro Nacional emite novos títulos, aumentando a dívida. Nesse contexto, a prática dos juros mais elevados do mundo e em elevação representa uma grande incongruência em face do ajuste fiscal pretendido, basicamente por duas razões. Primeira, porque, além de inócua para reduzir a inflação, como apontamos em artigo recente (*), a elevação de juros provoca um encarecimento do crédito, do financiamento, o que faz com que haja diminuição no nível de atividades da economia. As empresas, faturando menos, recolhem menos impostos, fazendo com que haja queda na receita do governo, prejudicando o resultado primário. Vamos amargar este ano uma retração do PIB da ordem de 2%! Segunda, e mais grave, ainda no âmbito nominal das contas públicas, a elevação da Selic representa aumento de custo “na veia”, em razão do perfil e da característica da nossa dívida pública, que remunera a taxas de juros reais elevadíssimas os títulos públicos, independentemente do prazo de resgate. Este é o verdadeiro “negócio do Brasil” e que resiste há décadas no País. Somos o único país no mundo que remunera seus credores, que praticamente têm risco zero, e por qualquer prazo e juros reais (acima da inflação) de 6% ao ano. Isso diante de um quadro internacional em que a imensa maioria dos países pratica juros reais negativos, como nos Estados Unidos, na Europa, no Japão e em outros países que, mesmo diante de indicadores piores que os nossos, como inflação, déficit e dívida pública, adotam taxas de juros menores. No nosso caso, trata-se de uma transferência significativa de recursos públicos - portanto oriundos dos impostos que pagamos - para os credores da dívida pública, basicamente o setor financeiro e todos que realizamos aplicações financeiras. O fato é que nos tornamos uma sociedade viciada em juros elevados e adepta do rentismo, em contraponto à produção e ao investimento produtivo. Ou seja, o verdadeiro ajuste a ser feito é de âmbito financeiro, atrelado ao perfil do nosso endividamento. Não é cortando investimentos e gastos sociais e gerando recessão que vamos conseguir o ajuste intertemporal das contas públicas - lembrando que controlá-las não é um fim em si mesmo, mas um meio. Enquanto não enfrentarmos essa questão crucial, permaneceremos reféns de ajustes de curto prazo, limitando o crescimento econômico e, portanto, adiando o desenvolvimento. (*) LACERDA, A.C e CAMPEDELLI, A.L. Uma crítica pós-keynesiana ao Regime de Metas de Inflação no Brasil. Pesquisa & Debate, Revista do Programa de Pós-graduação em Economia Política da PUC-SP, v.25, n.2(46), 2014. Disponível em http://revistas.pucsp.br/index.php/rpe/article/view/21493

Por Antonio Corrêa de Lacerda
Atualização:

*Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor e coordenador do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUC-SP. Site: WWW.ACLACERDA.COM

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