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´Apoio a pequenos é vital para criar empregos´

Para o economista Ignacy Sachs, estímulo aos pequenos empreendedores é uma das estratégias fundamentais para reduzir desemprego no País

Por Agencia Estado
Atualização:

O economista Ignacy Sachs está convencido de que o apoio aos pequenos empreendedores é uma das estratégias fundamentais para enfrentar o problema do desemprego no Brasil. Professor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, ele coordenou um estudo, a pedido do Sebrae e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que resultou no livro Desenvolvimento Humano, Trabalho Decente e o Futuro dos Empreendedores de Pequeno Porte no Brasil, lançado na semana passada. Para Sachs, é necessário aproveitar todas as possibilidades de crescimento puxado pelo emprego, tentando reduzir a informalidade e aumentar a produtividade. Segundo o estudo, "os caminhos básicos para isso estão na consolidação e expansão da agricultura familiar, na promoção das micro e pequenas empresas e na ampliação das oportunidades de trabalho para os autônomos do meio urbano". Mas Sachs ressalva: "O crescimento puxado pelo emprego não pode constituir de modo isolado uma estratégia. Outro ponto fundamental é transformar as grandes empresas nacionais em global players. Eu não estou dizendo que se resolve tudo com o uso intensivo de mão-de-obra". Sachs insiste que é necessário "tratar os desiguais de forma desigual". "O estudo foi escrito contra o darwinismo social do mercado, o que não significa que não se reconheça a importância fundamental dos mercados. A questão é que nos colocamos na linha do economista indiano Amartya Sen, Nobel de Economia, quando ele afirma que o mercado é uma entre as instituições da sociedade, e não a instituição." Cidadão francês, nascido na Polônia, Sachs, que é fundador e co-diretor do Centro de Estudos sobre o Brasil Contemporâneo, falou ao Estado na quinta-feira. A seguir, os principais trechos da entrevista. Estado - O emprego é o principal mote da atual campanha eleitoral e um dos principais focos do livro. Dar prioridade à micro e pequena empresa é o melhor caminho para aumentar o nível de emprego? Ignacy Sachs - A questão do emprego é o problema central do País. Com isso, é natural que todos os candidatos se concentrem sobre o assunto. Seria até estranho se não isso não ocorresse. No livro, nós tomamos o problema do emprego como o ponto de entrada para uma estratégia do desenvolvimento, identificando atividades intensivas de mão-de-obra que podem ser incentivadas e ampliadas. Estado - Quais são as áreas prioritárias? Sachs - A primeira é a consolidação e a modernização da agricultura familiar. O Brasil tem condições excepcionais para um novo ciclo de desenvolvimento rural, por ter a maior biodiversidade do mundo, uma oferta razoável de terras cultiváveis e uma grande variedade de climas. É um dos países que podem liderar a transição para o desenvolvimento sustentável, no qual os recursos não renováveis e a energia fóssil são gradualmente substituídos por derivados da biomassa. Há ainda uma enorme perspectiva na construção civil, sobretudo em programas de habitação popular, com ênfase em mutirões assistidos. Além disso, na medida em que as obras públicas não estão submetidas à concorrência internacional, é possível usar tecnologias menos intensivas no uso de capital, mas sem cair no exagero de frentes de trabalho. Outra área importante é a da gestão dos recursos naturais. Com a conservação de energia e água, reciclagem e aproveitamento de resíduos naturais, é possível obter um serviço maior a partir de uma quantidade dada de recursos, ou seja, o aumento da produtividade. E também é importante que se dê prioridade à manutenção do patrimônio existente de infra-estrutura, de equipamentos, do parque imobiliário, do parque viário, de modo a prorrogar a vida útil. Ao fazer isso, eu reduzo a demanda pelo capital de reposição, liberando capital para novos investimentos. A outra fonte de empregos são os serviços, tanto sociais como técnicos. O Brasil tem uma situação favorável comparado à de outros países quando se vê essas possibilidades. Estado - A ênfase no apoio aos pequenos produtores empreendedores deve ser o foco principal de uma política de desenvolvimento? Sachs - O crescimento puxado pelo emprego não pode constituir de modo isolado uma estratégia. O segundo ponto é transformar as grandes empresas nacionais em global players. Eu não estou dizendo que tudo se resolve com o uso intensivo de mão-de-obra. Além disso, o ponto de partida é que a economia brasileira se assemelha a um arquipélago de empresas de alta produtividade, imersas num oceano de atividades de baixa produtividade, que constituem o tecido do sistema econômico. Não são dois mundos à parte. É necessário pensar o sistema de maneira a articulá-los e encorajar o empreendedorismo, mas lembrando que uma das maneiras de reforçar o empreendedorismo individual é fortalecer o coletivo. Estado - Eles não são conflitantes? Sachs - Não, pelo contrário. Todas as formas de associativismo criam melhores condições para o pequeno empreendedor. E também é fundamental melhorar o encadeamento entre as grandes e as pequenas empresas. As grandes e médias empresas constituem um dos principais mercados dos pequenos empreendedores. É necessário criar e construir sinergias entre essas duas áreas. Não estou dizendo que a solução são a agricultura familiar e os pequenos negócios. Estou re-situando a agricultura e os pequenos negócios numa análise global. Estado - O estudo sugere e enfatiza que se deve tratar os desiguais de forma desigual. Uma das propostas é ampliar o Simples tributário (tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas, relativo a impostos e contribuições) e a criação do Simples previdenciário. Isso não pode encontrar obstáculos e ser visto como mais renúncia fiscal? Sachs - O Simples não reduz, mas aumenta a arrecadação. É um programa importante porque, por meio dele, pessoas que não arrecadam passam a arrecadar. Não vejo aí nenhuma contradição. Vamos voltar ao princípio. Se você põe os grandes e os pequenos no mercado em condições de igualdade formal, condena os pequenos ao darwinismo social. É por isso que a taxa de mortalidade das pequenas empresas é tão grande. É necessário erigir em princípio o tratamento diferenciado, o tratamento desigual para os desiguais, definindo regras do jogo que protegem os mais fracos e ações afirmativas em seu favor. O estudo está escrito contra o darwinismo social do mercado, o que não significa que não se reconheça a importância fundamental dos mercados. A questão é que nos colocamos na linha do Prêmio Nobel de Economia Amartya Sen, economista indiano, quando ele afirma que o mercado é uma entre as instituições da sociedade, e não a instituição. Aí entra o tratamento desigual. Estado - O que fazer para reduzir a informalidade? Sachs - O primeiro é reduzir ainda mais a burocracia para abertura de negócios, tornando o Fácil (o programa do Sebrae que tem esse objetivo) ainda mais fácil. O segundo, um Simples tributário mais abrangente, que inclua impostos municipais, por exemplo. O terceiro, algum tipo de Simples previdenciário. O quarto é o acesso ao crédito. O quinto, o acesso aos mercados, em que se privilegiam dois temas: a construção de sinergias entre a grande e a pequena empresa e as compras públicas. O sexto é o acesso às tecnologias. É só quando há um feixe dessas políticas que surgem condições diferentes. Não adianta fazer uma ou outra. Estado - Por que o microcrédito parece uma experiência não muito bem sucedida no Brasil? Sachs - O microcrédito, que chega na ponta no Brasil a 3,5%, 4% ao mês, só resolve a demanda por um capital de giro de alta rotação. O número de atividades que podem suportar esse tipo de crédito é pequeno, e é difícil imaginar que o microcrédito financie investimentos produtivos. O elenco de pessoas que necessita desse tipo de crédito é limitado. Um dos maiores problemas é que, no Brasil, o volume de operações de crédito corresponde a uma proporção muito baixa do PIB. Além disso, o Brasil está há muitos anos com as taxas de juros reais entre as mais altas do mundo. Com isso, há dificuldades de acesso ao crédito não só para micro e pequenos empresários como também para grandes e médios. Outro ponto é que, dadas as distorções que ocorreram com os bancos públicos no passado, criou-se uma cultura em que se considera que essas instituições devem ser geridas pelos mesmo princípios dos bancos privados. Ele não é mais um banco público, mas um banco privado de propriedade pública. Então não se admite o uso dessas ferramentas para políticas públicas para certos fins. Estado - É uma distorção? Sachs - Para mim, é uma distorção, mas essa é a cultura dominante. Uma das soluções seria usar o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, que tem uma grande capilaridade no País, sem quer que o tomador de um pequeno empréstimo tenha de arcar com todos os custos. O uso da rede dos Correios também seria importante, mas ela foi leiloada para o uso de um banco privado (o Bradesco). Estado - Há outros métodos para reduzir o custo e o risco do crédito? Sachs - O primeiro método para reduzir o risco é o aval coletivo. Isso constitui um exemplo de empreendedorismo coletivo que fortalece o empreendedor individual. É possível diminuir o custo ainda com o aval de um fundo de risco. Mas a melhor solução consiste em incentivar cooperativas de crédito, e ainda mais cooperativas de poupança e crédito. É preciso trabalhar em nível institucional para gerar um outro sistema de acesso ao crédito, em que o cooperativismo e o associativismo têm um enorme papel a desempenhar . Para arrematar, nessa linha, eu gostaria de fazer um comentário sobre o consórcio, uma associação de poupança e crédito rotativo, que existe em diferentes culturas do mundo há séculos. No Brasil, o consórcio vingou no caso dos carros, eletrodomésticos e viagens ao exterior. Não há razão para que esse mecanismo não seja usado para implementos agrícolas, por exemplo . Mas a mensagem central é que necessitamos de diferentes modalidades de crédito, adaptadas às diferentes demandas dos diferentes tomadores. Estado - Alguns analistas consideram que a agricultura familiar é pouco competitiva e tem um espaço limitado para promover o crescimento e o emprego, num ambiente de produção mecanizada e de grande escala. É uma visão equivocada? Sachs - É equivocada porque trata da agricultura apenas como o setor de agronegócio voltado essencialmente para a exportação de commodities, uma agricultura sem homens. Primeiro, para avaliar essa proposta, seria preciso agregar uma proposta imediata sobre o que fazer com esses homens. Eu não quero obviamente perder as oportunidades de exportação de soja, por exemplo. Mas, se pensamos a agricultura apenas em termos de produção altamente mecanizada, é preciso responder o que fazer com a mão-de-obra deslocada. E nós não estamos falando da agricultura familiar sem tocar no assunto fundamental da pluriatividade. O futuro é o desenvolvimento rural em que a agricultura familiar tem um papel enorme, por causa do seu papel humano, mas em que as atividades agrícolas se combinam com outras atividades, como a gestão de recursos naturais, e a atuação em serviços. Além disso, quando se pensa em agricultura familiar, a idéia é de uma agricultura não processada. Por que não é possível fazer pequenas agroindústrias de processamento? E se deve pensar em produtos de qualidade, em que se agrega valor. A visão da agricultura familiar do Jeca Tatu, com a enxada, não tem futuro. Mas, com uma outra visão moderna do mundo rural, o Brasil tem oportunidades que outros países não têm.

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