Caro leitor,
O capítulo anterior desta série “Bolsonaro e a Economia” dizia que o governo chegava ao fim do primeiro semestre com bem pouca coisa para mostrar. Desde que a última coluna foi publicada, muita coisa mudou. Na verdade, mudou naquele mesmo dia, com o anúncio do fechamento do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia . Um acerto que ainda depende de muitos pormenores para entrar em vigor, mas que certamente foi uma injeção de ânimo para a economia. Ou seja, o governo fechou o primeiro semestre, sim, com um avanço considerável em alguma coisa relevante para mostrar.
E o segundo semestre começou num ritmo bem mais intenso.Após uma tramitação mais longa do que o mercado financeiro esperava, ou desejava, a reforma da Previdência foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados. Uma proposta abaixo da economia de R$ 1 trilhão em dez anos tão defendida pelo ministro Paulo Guedes. Mas, ainda assim, uma reforma com economia suficiente para trazer esperança aos investidores. E com uma votação bem acima da imaginada por todos, com 379 votos a favor .
Ainda falta uma votação em segundo turno na Câmara, e toda a tramitação no Senado. Na pior das hipóteses, trabalha-se com a ideia de que a reforma estará pronta para ir à sanção presidencial em outubro ou novembro. Mas o fato de ter dado esse enorme salto na Câmara foi a senha para a equipe econômica começar a mostrar o que vem depois da Previdência – que, apesar da importância, não terá, sozinha, o dom mágico de fazer a economia voltar a crescer.
Uma das coisas que o próprio Guedes já deixou claro que fará é acelerar o processo de privatizações e concessões. É a forma mais rápida e segura de fazer entrar dinheiro novo no caixa do governo, de trazer investimentos, de criar empregos. Como escreveu nosso colunista Affonso Celso Pastore , a perspectiva para a economia é de uma recuperação muito lenta, e o instrumento mais eficaz que o governo tem em mãos para acelerar isso são as privatizações. Que precisam, claro, de “uma combinação de segurança jurídica, de leilões competitivos e de fontes de financiamento em moeda doméstica”.
Nesse sentido, um levantamento trabalhoso e cuidadoso feito pelo nosso repórter José Fucs apontou que há um potencial de arrecadar cerca de R$ 450 bilhões com as privatizações e concessões no Brasil, o que seria um valor recorde na história do País. Isso, sem contar Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa e BNDES, que não foram incluídos no plano. Preparamos um infográfico interativo que mostra o que está na mira para ser vendido ou concedido à iniciativa privada.
A Eletrobrás, cuja venda vem sendo tentada há tempos, fará parte desse esforço. Como mostramos nesta quarta-feira, 17, o governo prepara um novo projeto de lei, a ser enviado ao Congresso, para viabilizar a privatização da empresa. A expectativa é de arrecadar R$ 12 bilhões no processo.
Mas outras medidas começam a aparecer. Como revelamos tambémnesta quarta-feira, 17, o governo estuda um plano para liberar uma parte das contas ativas do FGTS . A fatia que está sendo pensada vai de 10%, para quem tem mais de R$ 50 mil no fundo, a 35%, para quem tem até R$ 5 mil. A estimativa do governo é de esse movimento possa injetar R$ 30 bilhões na economia.
O martelo ainda não foi batido quanto a porcentuais, quanto à forma de liberação – que encontra forte resistência no setor de construção . Mas é quase certo que a medida será adotada. Assim como também devem ser liberados recursos do PIS/Pasep. Como aponta o editorial do Estadão , são medidas de curto prazo que podem dar algum fôlego à economia. A avaliação dos economistas é que esse estímulo ao consumo pode melhorar o PIB , deixando-o mais perto ou até acima de 1%.
A discussão sobre a reforma tributária, também de extrema relevância para o País, tem avançado. O que pode atrapalhá-la, no entanto, é a falta de consenso. Como mostramos, há cinco propostas diferentes na mesa, e todos querem o protagonismo. O governo diz que a reforma que já está tramitando na Câmara criará o maior imposto do mundo. O economista Bernard Appy , em entrevista aqui ao jornal, diz que a proposta que está sendo elaborada pelo governo falha ao não incluir impostos estaduais e municipais. Os empresários fazem lobby pelo imposto único . O Senado quer um outro projeto, os Estados também têm o seu. Talvez seja difícil chegar a um consenso, vai ser necessária muita negociação política.
De qualquer maneira, algo diferente começa a aparecer na economia, saímos do samba de uma nota só da Previdência. O cenário dá uma desanuviada. Mas precisamos esperar para ver quais medidas ficam de pé, que impacto terão na atividade. E se as polêmicas fabricadas o tempo inteiro pelo presidente Bolsonaro, como a ideia de indicar um filho para a embaixada nos Estados Unidos, não vão derrubar qualquer tentativa de retomada da economia.