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Doutor em Economia

Com a privatização da Cedae, precisamos falar do mito da estatal lucrativa

No fundo, as ideias de lucro econômico ou renda econômica podem ser entendidas como privilégio. Nas próximas privatizações, vale se perguntar onde ele está

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Por Pedro Fernando Nery
Atualização:

Foi realizada no fim da semana uma das maiores concessões recentes no País: a da Cedae – a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio. Com os leilões, vieram argumentos recorrentes contra privatizações: ora que a estatal era lucrativa para o Estado, ora que os serviços vão encarecer porque precisarão pagar o lucro da nova empresa privada (e não só os custos que a Cedae tinha). O tema é interessante e sempre atual: hoje vamos falar sobre o mito da estatal lucrativa.

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Um primeiro argumento contra uma privatização ou concessão é de que uma determinada empresa é lucrativa para o contribuinte ou o Estado. Isto é, sua receita é maior do que sua despesa. Esse argumento é falacioso porque trata apenas do que chamaríamos de lucro contábil, não do lucro econômico.

O que é o lucro econômico? Na teoria econômica, é o lucro que existe quando se consideram não apenas os custos visíveis, mas também os custos “invisíveis” de uma empresa. São os custos de oportunidade: o quanto se estaria recebendo se os seus ativos estivessem sendo usados na atividade mais lucrativa possível? Não bastaria, no significado mais comum, apenas lucrar, mas lucrar acima do que em outros setores.

No fim das contas, será que uma estatal precisa ser lucrativa? Foto: Wilton Júnior/Estadão

Esse conceito é importante para uma estatal porque com frequência os seus ativos foram simplesmente “dados” pelo Estado, seja porque foi concedida a esta empresa um monopólio ou porque literalmente seus ativos foram comprados com dinheiro público. O lucro econômico consideraria, assim, o quanto se poderia ganhar se desfazendo do patrimônio da empresa e investindo-o em outra atividade. Se a atual receita da empresa não é maior do que o que se poderia ganhar investindo seus recursos em outro lugar, não há lucro econômico.

Imagine que o governo crie uma estatal em qualquer atividade pitoresca, por exemplo, aluguel de carros. Ele compra milhares de carros e doa para essa Localizabrás alugá-los. É provável que, mesmo incompetente, a estatal consiga lucro contábil – uma receita maior do que seus custos visíveis. Mas toda a operação é absurda para um governo: melhor seria se ele vendesse esses carros e fizesse outra coisa com o dinheiro.

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Um segundo argumento é o de que serviços privatizados necessariamente vão encarecer, porque precisarão pagar o lucro privado, que não existe na estatal. Aqui vale entender o conceito de “renda econômica”, que corresponde à remuneração excessiva de uma atividade – que acontece por exemplo com os lucros de monopólios, não sujeitos à competição.

Esse conceito de renda econômica se aplica comumente a lucros, pois é associado à uma remuneração improdutiva. Mas ele pode se aplicar até a salários, se estiverem artificialmente altos pela falta de competição. Por exemplo, em uma estatal em que o sindicato consegue vantagens não disponíveis em empresas privadas, à custa do usuário do serviço.

Assim, uma estatal, mesmo sendo pública, terá seus serviços encarecidos por esses “lucros”. São as rendas econômicas recebidas por empregados sobreremunerados ou por fornecedores que conseguem vender seus produtos acima do preço de mercado em contratações ineficientes. É comum que fornecedores de estatais sejam bem conectados com elites políticas, que garantem o status quo e o pagamento dessas rendas – perdidas com a privatização.

Chegamos a um terceiro ponto: e no fim das contas, estatal precisa ser lucrativa? Não. Ela pode ser um instrumento para alcançar objetivos sociais cuja métrica de lucro não é apropriada. Principalmente, pode ser uma forma mais liberal de administrar o Estado, útil quando um serviço público não é bem prestado por um órgão direto ou uma empresa privada. Uma estatal, em tese, não contrata funcionários de forma vitalícia, seus empregados não têm aposentadoria especial e as regras de licitação são mais flexíveis do que nos órgãos públicos tradicionais.

Não à toa, mesmo governos de esquerda, como o de Dilma ou de Flávio Dino, criaram estatais na área de saúde para buscar uma gestão mais dinâmica, menos típica do setor público, ainda que não privada.

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No fundo, as ideias de lucro econômico ou renda econômica podem ser entendidas como privilégio. Nas próximas privatizações e reformas, vale se perguntar onde ele está.

*DOUTOR EM ECONOMIA 

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