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Após tragédias, Vale reforça pauta voltada para a sustentabilidade

Ainda sob o efeito Brumadinho, que faz suas ações valerem menos que as das rivais, mineradora quer reforçar agenda ambiental, social e de governança

Por Mariana Durão
Atualização:

RIO - Negociada com grande desconto frente às concorrentes australianas, ainda sob o efeito do rompimento da barragem em Brumadinho (MG) no início de 2019, e a um mês de se tornar uma empresa de capital pulverizado – “corporation”, no jargão do mercado –, a Vale tem procurado se mostrar afinada com as demandas dos investidores. Além de voltar a pagar dividendos, a mineradora deu uma guinada na comunicação, seara onde vem privilegiando a agenda ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês).

Essa foi a tônica de seu último encontro anual com analistas e investidores, no mês passado. Além de explicar como pretende recuperar sua produção, a Vale focou em temas como segurança das operações, reparação do desastre de Brumadinho, metas de redução de carbono, diversidade e governança corporativa. Também vem atualizando a situação das barragens de rejeitos ao mercado.

Empresa planeja investir US$ 2 bilhões em projetos de sustentabilidade Foto: Marcos Arcoverde/Estadão-24/03/2014

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Entre outras coisas, a mineradora lista como metas zerar as emissões de gases do efeito estufa de suas operações e no consumo de energia em 2050, duplicar o número de mulheres em seus quadros e adotar o chamado relatório integrado, que mescla informações financeiras e não financeiras.

A empresa fala em investir US$ 2 bilhões em projetos de baixo carbono. Anunciou, por exemplo, o uso de baterias de lítio para suprir a energia do Terminal da Ilha de Guaíba, no Rio, uma jogada que mesclou negócios (ao aproximar a empresa da Tesla, fabricante das baterias) e sustentabilidade.

Qualidade. Em outra frente, dá continuidade à estratégia “flight to quality” (voo para a qualidade), que consiste em elevar a qualidade do produto e criar uma espécie de portfólio “verde”. Dona do minério mais puro do mundo, o de Carajás (PA), a Vale quer que a participação de produtos premium – com maior teor de ferro e mais caro – salte dos atuais 84% para 90% no “futuro”.

Quanto melhor o minério, menor seu impacto em termos de emissões de gases. A estratégia faz sentido, já que a China, maior cliente da Vale, anunciou a meta de neutralidade de carbono até 2060.

“A Vale está enriquecendo o portfólio de produtos para melhor atender à crescente demanda da China por qualidade, desempenho ambiental e inovação em uma nova era”, afirma o diretor executivo de Ferrosos, Marcelo Spinelli, no recente lançamento de um centro de blendagem (mistura) de minérios na China.

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O esforço começa a surtir algum efeito. Analistas passaram a mencionar as iniciativas de sustentabilidade em relatórios. Após o evento anual com investidores da mineradora, o Bradesco BBI destacou o compromisso da Vale em seguir melhorando sua performance ESG. A equipe do Santander apontou tendência de redução do desconto de 40% dado à Vale ante seus pares (BHP e Rio Tinto) por conta disso. Já a Moody’s elevou a nota de crédito da Vale porque as práticas ESG da mineradora “aumentaram a gestão de risco e supervisão de governança”.

“É muito claro para a Vale que ela transaciona com um desconto tão forte por conta de 25 de janeiro de 2019 (data do desastre de Brumadinho). Não há motivo operacional e financeiro para isso, o que torna o ESG um elemento chave neste momento”, diz Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.

Tempo

Apesar disso, o analista de mineração do Itaú BBA, Daniel Sasson, acredita que a virada de chave dos investidores não será imediata. A preocupação com fatores ESG na Vale cresce, diz ele, porque está ligada à sustentabilidade do negócio a longo prazo. Quem não atender a essa demanda será penalizado com maiores custos de captação e exclusão do portfólio de investidores globais, como já ocorreu com a Vale após Brumadinho. Os litígios com órgãos como o Ministério Público também pesam no preço das ações da companhia.

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“A Vale está na direção correta e melhorou uma série de protocolos para deixar suas operações mais seguras, mas ainda leva tempo para isso se refletir na percepção dos investidores, especialmente estrangeiros, e na avaliação do mercado em relação ao valor da empresa”, diz Sasson.

O fundo de pensão britânico Church of England é um bom exemplo. A instituição vendeu suas ações da Vale após o desastre com a barragem de Brumadinho e, questionada pelo Estadão/Broadcast, informou que não pretende voltar a investir na companhia por enquanto.

O diretor de Ética e Engajamento do fundo, Adam Matthews, explica que essa decisão envolve a avaliação de um conjunto de fatores: a resposta da Vale a Brumadinho e Mariana, além da adoção do padrão global para barragens de rejeitos – estabelecido por pressão de investidores trilionários após o desastre – em todas as suas operações com transparência e passível de verificação independente. “A dimensão das reparações ainda é incerta”, afirma.

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