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Aprendendo com a Embrapa

Por Cristiane Alkmin J. Schmidt
Atualização:

Dos programas dos candidatos à Presidência da República, nota-se que os tópicos fortalecimento das instituições e ciência, tecnologia e inovação são entendidos como essenciais para o Brasil se desenvolver de forma mais vigorosa e sólida. Essa correta percepção pode ser endereçada pela compreensão dos nossos próprios erros e acertos. Um dos eventos mais relevantes que ocorreram no Brasil foi a revolução agrícola. Nos bastidores está a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). É irrefutável seu êxito. Como se deu isso? É possível replicar esse modelo? Antes, vale contextualizar o tema. Na década de 1970, por causa da estagnação na agricultura e do aumento na demanda por alimentos, o risco de escassez era iminente. E o Cerrado, que era pouco produtivo, passou a receber agricultores do Sul. Havia uma vantagem comparativa potencial (VCP) no setor agrícola, devidamente comprovada pelo setor privado, que podia ser desenvolvida. Uma das iniciativas do governo foi a criação da Embrapa, em 1973, que teve spillover para todo o País, além do Cerrado. A Embrapa, nestes 30 anos, adaptou, criou e transferiu mais de 9 mil tecnologias e 350 cultivares; possui mais de 200 patentes internacionais; e é considerada o principal polo de pesquisa tropical do mundo. Pesquisadores da entidade foram protagonistas na transformação do Brasil, de potencial produtor para o 4.º maior exportador de alimentos do mundo, por meio do aumento espetacular da produtividade no campo. O triunfo da Embrapa passa por fatores endógenos e exógenos a ela. Paulo Correa e eu (Public Research Organizations and Agricultural Development in Brazil: How Did Embrapa Get It Right? Economic Premise, World Bank, june 2014) concluímos que, da primeira parte, ressaltam seis itens: 1) pela missão da instituição em produzir academicamente trabalhos direcionados exclusivamente em solucionar problemas da agricultura brasileira, transferindo conhecimento e tecnologia aos agricultores, constantemente; 2) pela estratégia de ter a Embrapa fisicamente perto do agricultor, descentralizando-a em agências regionais; 3) pela definição de metas nas pesquisas e pelo monitoramento no processo, para que os estudos não perdessem foco e timing; 4) pela premiação e reconhecimento vinculados aos resultados, e não apenas às publicações acadêmicas; 5) pelo maciço investimento em capital humano e importação e desenvolvimento de tecnologia de ponta. Até meados dos anos 80 não havia um corpo de pesquisadores qualificados nem tecnologia disponível. Atualmente, dos mais de 2.200 pesquisadores, 1.800 têm doutorado e 400, mestrado; e 6) pela independência política nos seus quadros e cultura meritocrática. Dos fatores exógenos, destacam-se a adoção de políticas públicas efetivas, como a de abertura comercial e a de crédito aos agricultores, que contribuíram para a diminuição dos custos dos insumos e aumento da oferta; a abundância de terra; e a existência de uma demonstrada VCP. É possível replicar o modelo meritocrático e técnico da Embrapa, portanto, desde que haja consciência do que a levou a ser bem-sucedida e de como o País se beneficiou com a sua existência, garantindo resultados sociais e econômicos inquestionáveis. As políticas públicas e incentivos direcionados ao setor tiveram êxito, sobretudo em razão da transparência na alocação dos recursos e à VCP existente. O ideal é que os setores beneficiados sejam considerados de acordo com as reais vantagens comparativas potenciais que o País apresenta, além de aparelhar as empresas com quadros técnicos e geri-las com objetividade e meritocracia. São essas, entre outras, as boas lições aprendidas com a Embrapa, que tanto orgulha os brasileiros. Já que os temas fortalecimento das instituições e ciência, tecnologia e inovação fazem parte do debate dos candidatos, seria construtivo discuti-los de forma mais pragmática e metódica, utilizando, ainda, nossos próprios erros e acertos em termos institucionais e de políticas públicas. *Cristiane Alkmin J. Schmidt é doutora em economia pela EPGE/FGV, foi Visiting Scholar em Columbia em 2013. É professora da FGV e consultora.

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