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Área técnica do TCU recomenda retirar rede privativa do governo e obra na Amazônia de leilão do 5G

Para os especialistas, rede privativa e programa para conectar regiões isoladas são ilegais e representam uma tentativa de excluir despesas públicas do Orçamento para desviar do teto de gastos

Por Anne Warth
Atualização:

BRASÍLIA - A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) vai recomendar ao governo que exclua do edital do 5G dois investimentos que serão exigidos das teles como contrapartida ao uso da faixa. Para os técnicos, a rede privativa (uma rede de comunicações exclusiva para órgãos públicos) e o Programa Amazônia Integrada e Sustentável (PAIS), que pretende conectar regiões isoladas do País por meio de fibra óptica, são ilegais e representam uma tentativa de excluir despesas públicas do Orçamento para desviar do teto de gastos.

O edital já foi aprovado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e será submetido ao plenário do TCU no dia 18 de agosto. O relator, ministro Raimundo Carreiro, não precisa acatar integralmente as recomendações dos técnicos em seu voto. Por isso, uma força-tarefa será montada para apresentar argumentos e convencer ele e os demais ministros a manter os dois investimentos no edital – com a presença, inclusive, de técnicos do Ministério da Economia da área de Orçamento e do Tesouro. Nos bastidores, o governo está disposto a aceitar mudanças que não desfigurem o escopo do edital e que não atrasem ainda mais o leilão, previsto para ocorrer no fim do ano.

Área técnica do TCU considerou dois pontos do edital do 5G ilegais Foto: Dida Sampaio/Estadão

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O leilão do 5G será a maior licitação de telecomunicações da história do País. Na disputa, as teles farão ofertas para comprar frequências - "rodovias" no ar por onde o sinal de 5G será oferecido. Como forma de reduzir o valor da outorga que as empresas deverão pagar pela faixa, o governo decidiu impor obrigações de investimento. Cada compromisso será abatido do bônus que as empresas teriam que pagar ao Tesouro.

O valor presente líquido de todas as faixas que serão leiloadas – 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHZ) – foi estimado em R$ 45,8 bilhões, e o valor dos compromissos, em R$ 37,1 bilhões. Dessa forma, a outorga mínima seria de R$ 8,7 bilhões, sendo R$ 1,4 bilhão para as teles que comprarem as faixas de cobertura nacional da faixa de 3,5 GHZ, a principal para o 5G.

Tradicionalmente, as contrapartidas dos leilões de telecomunicações têm relação direta com as faixas leiloadas. É o caso da distribuição de kits para famílias de baixa renda que recebem sinal de TV por antenas parabólicas. O 5G exigirá que esses canais mudem de faixa para evitar interferências, e os kits serão distribuídos para evitar que esses usuários fiquem sem sinal.

O governo, porém, decidiu incluir no edital dois compromissos que nada tem a ver com o 5G. Para a rede privativa, o limite de investimentos vinculados ao edital será de R$ 1 bilhão, e para o PAIS, de R$ 1,5 bilhão. Os técnicos do TCU, no entanto, reiteraram que os dois projetos configuram atividade-meio da administração pública e deveriam ser contratados por licitação, execução direta da Telebras ou por meio de Parceria Público-Privada (PPP).

Rede privativa

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No caso da rede privativa, o TCU disse não haver dúvidas de que se trata de uma despesa primária (ou seja, deveria estar incluída nos gastos do governo no Orçamento) e que não visa universalizar os serviços de banda larga para a população – um dos objetivos do leilão do 5G.

“Resta demonstrado que há evidências de que o projeto de rede privativa de comunicação da administração pública federal é uma despesa primária que deveria ser executada diretamente pelo MCOM (Ministério das Comunicações) e demais órgãos e entidades interessados em utilizar essa rede privativa de comunicação, porém foi incluído no edital do 5G para possibilitar que fosse executado por uma associação privada, não sujeita às normas gerais que regem a execução orçamentária da União”, diz a instrução técnica do TCU, à qual o Estadão/Broadcast teve acesso.

“Relembra-se que a rede privativa será utilizada apenas por órgãos da administração pública e estará limitada a regiões que já contam com atendimento de telefonia móvel 4G e banda larga fixa, quais sejam, o DF e as capitais dos Estados”, acrescentam os técnicos.

O TCU menciona ainda a ausência de projeto, anteprojeto ou projeto básico para a rede nem estrutura de governança definida, e destacam que a própria Anatel admite que o valor de R$ 1 bilhão não será suficiente para custear a rede, que pode precisar de R$ 685,3 milhões adicionais.

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“A situação atual configura risco de dano ao erário de até R$ 1,685 bilhão, devido às incertezas na fixação de ‘margem geral’ de reserva de recursos e na precificação e viabilidade jurídica de transferência da propriedade da rede privativa”, diz o TCU.

PAIS

Sobre o projeto de infovias da Região Norte, o TCU afirma que ele também é uma tentativa de desviar do teto de gastos e de violação das normas orçamentárias, o que configura indícios de ilegalidade, e deveria ser realizado nos termos da lei das licitações ou por meio de PPP. Além disso, a rede pode representar um custo adicional entre R$ 1,5 bilhão a R$ 2,2 bilhões aos cofres públicos, dizem os técnicos.

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“Entende-se necessário propor determinação para que a Anatel, que é responsável pela aprovação do edital e pela realização da licitação do 5G, exclua esse compromisso de construção da rede de infovias do Pais do referido certame”, afirma a instrução.

“Nesse contexto de indefinição e falta de transparência acerca do escopo e abrangência da rede de infovias do País, a falta de exigências de garantias contribui para ampliar o risco de que a obra não seja concluída ou fique incompleta.”

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Os técnicos mencionaram ainda as críticas de acórdão anterior referente ao projeto, anteriormente chamado de Amazônia Conectada e tocado pelo Exército, que apontou diversas falhas. “Esse é mais um projeto no qual as boas intenções tendem a não sair do papel.”

Conectividade de escolas

Mesmo fora das obrigações propostas pelo governo e acatadas pela Anatel, a conectividade das escolas públicas como contrapartida foi avaliada pelos técnicos do TCU a pedido do ministro relator. A instrução menciona dados da Comissão de Educação da Câmara segundo os quais 61% das escolas estão conectadas à internet de alta velocidade.

A proposta da comissão, acatada pelos técnicos, seria incluir a conexão de 14.295 escolas como compromisso do edital. Para o governo, porém, esse é um projeto que demandaria tempo para estimativa de custos e elaboração de projetos.

Kits

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Os técnicos estimam ainda que a Anatel pode ter superestimado os custos necessários para a migração dos canais transmitidos por antenas parabólicas para outra banda satelital. Essa migração exigirá a distribuição de kits para usuários de baixa renda, para que não haja interferência no 5G.

Para o TCU, os usuários de parabólicas vem caindo ano a ano e essa tendência deve se manter no futuro. O custo da migração, para a Anatel, seria de R$ 3 bilhões, e para o TCU, de R$ 1,4 bilhão.

A Anatel, porém, respondeu que considerou o número de famílias cadastradas no Bolsa Família, e pretende argumentar que esse universo deve até aumentar com a reformulação do programa, prevista na Medida Provisória apresentada pelo governo ontem, 9, o que também elevaria a precisão de gastos com os kits.

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