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Argentina tem que se conformar com futuro mais modesto

Por Agencia Estado
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A Argentina foi um país importante e de sucesso. Era considerado um "pedaço da Europa perdido na América do sul por um esquecimento de Deus". Mas isso ocorreu muito tempo atrás. Hoje, da Europa restam somente os sobrenomes de seus habitantes e vestígios arquitetônicos, testemunhas de uma exuberante riqueza. Mas atualmente, o país está mergulhado em uma crise sem precedentes, fruto de décadas contínuas daquilo que o principal think tank (consultor) argentino, Rosendo Fraga, denomina de "erros estratégicos em momentos históricos cruciais". Segundo ele, o país tem que deixar de lado o sonho de ser uma pequena Europa, e admitir que precisa pensar em um futuro modesto e austero. Em entrevista à Agência Estado, Fraga sustentou que no momento do início da guerra da independência, em 1810, a Argentina era o país menos importante da América Latina. "Não há cálculos do PIB da época, somente alguns cálculos comerciais e demográficos feitos por comerciantes ingleses. A Argentina, junto com o Uruguai tinha uns 400 mil habitantes. O Paraguai 500 mil. O Chile, 1 milhão, Bolívia idem. O Peru, 3 milhões, a Grande Colômbia (Venezuela, Colômbia e Equador) juntas, 3 milhões. O Brasil possuía 4 milhões, a América Central 1,5 milhão e o México, 10 milhões. A Argentina era 2% do PIB da América Latina", afirma. De país de menor importância, em pouco tempo a Argentina se transformou na principal potência regional. Em 1900, a Argentina já era 50% do PIB da América Latina. "Na primeira década do século XX, os econometristas calculavam que em 1950 o PIB argentino superaria o dos EUA. Algo como hoje falam sobre a China em relação aos EUA. Em 1910, a Argentina era a décima economia do mundo, o sétimo exportador e tinha 7% do comércio mundial. Seu nível educativo superava todos os países europeus, menos a França, Grã-Bretanha e Alemanha". Ainda nos anos 30, a Argentina era 40% do PIB da América Latina. Mas nos anos 40 as coisas começam a ficar mal. "E é o que eu chamo das decisões estratégicas erradas da Argentina", explica Fraga. "Nesse momento, a Argentina, com muitas simpatias pelo Terceiro Reich, prefere ficar neutra durante a Segunda Guerra Mundial, e não se alinha com os Aliados. Outro erro ocorreu 20 anos depois, em março de 1962, quando um golpe militar depõs o presidente Arturo Frondizi, uma espécie de JK argentino, com excelentes relações com os EUA. Nesse momento a Argentina já era 25% do PIB latino-americano". Mas a decadência argentina não se deteria. Exatamente duas décadas depois, o país entra em guerra com a Grã-Bretanha, o segundo país mais importante da OTAN, pela disputa das ilhas Malvinas. "Era algo incompreensível. Nesse momento, já havíamos caído para o 20% do PIB da região. E passados outros 20 anos, atualmente o PIB argentino é 10% do total latino-americano." Volta ao ponto de partida O consultor afirma que se a Argentina continuar caindo desta forma nos próximos oito anos, com o país crescendo 4% menos que a média latino-americana, "em 2010, quando celebrarmos o segundo centenário do início da guerra de independência, o país viveria o paradoxo de ter voltado ao ponto de partida, de dois séculos atrás, com 2% do PIB da América Latina". "Este seria um país que em seu segundo século de vida destruiu tudo o que construiu no primeiro", afirma. O consultor considera que depois de ter uma postura mais realista com sua atual conjuntura, "a Argentina teria que ver que é um delírio tentar disputar a liderança regional com o Brasil e o México". Segundo ele, a Argentina teria que refletir sobre os erros recorrentes que comete. "É um problema cultural em um país que foi de sucesso, mas já não é mais. As lideranças políticas pensam somente no país do passado, sem ver como somos hoje. A realidade agora é outra. Com esta última crise, a renda per capita argentina é inferior à média da América Latina. Isto vai levar tempo para se resolver. A Argentina terá que se reorganizar com bases muito mais modestas, mais pobres e austeras". Argentina austera No projeto de uma Argentina austera que Fraga propõe, "o antigo projeto de ser Europa tem que ser deixado de lado. A Argentina não pode mais querer ter um PIB da Europa Ocidental. Ela tem que pensar em ser um Chile, um Uruguai, ou como países de sucesso da Europa Central, como a República Tcheca, a Polônia e a Hungria." Em Buenos Aires existe desânimo sobre quanto tempo os argentinos poderiam levar para recuperar o padrão de vida que possuíam no começo da recessão (e que já não era bom). "Dois ou três anos? De jeito nenhum. Pelo menos uma década", diz Fraga. Para as próximas gerações Sobre quando os argentinos poderiam ter novamente o nível de vida dos anos 60 e 70, o analista é categórico: "não será nesta geração. O panorama é terrível, mas o mais importante é assumi-lo". Fraga também analisou o futuro do governo do presidente provisório Eduardo Duhalde. "Este é o último capítulo do sistema bipartidário, do Partido Justicialista (Peronista) e da União Cívica Radical (UCR), que controlou a política argentina desde 1943 até hoje". Segundo Fraga, uma renovação poderia ocorrer nesse sistema em breve: "o desemprego pode passar dos atuais 23% e chegar a 30%. Está subindo 2% por mês. Junto com isso, não temos um seguro desemprego geral. Além disso, a assistência social é insuficiente e ineficiente, e os preços dos produtos da cesta básica aumentaram em média 60%. Isso, com o dólar a 2 pesos. O impacto do dólar a 3 pesos será sentido nas próximas semanas. Não dá para saber se Duhalde chegará até o segundo mandato. Mas sei que a situação social argentina pode explodir no segundo trimestre por causa de todos estes fatores".

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