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Argentina troca Brasil por China

Por Ariel Palacios e BUENOS AIRES
Atualização:

Pressionado pelos setores industriais, o governo da presidente argentina Cristina Kirchner aplicou nos últimos meses diversas medidas contra a entrada de produtos estrangeiros, alegando "defesa da indústria nacional e dos trabalhadores". Os industriais afirmam que a proteção é imprescindível para evitar o colapso de suas empresas, afetadas pela queda da atividade econômica interna e da crise internacional. No entanto, as medidas - embora aplicadas a todos os países - afetaram principalmente as exportações do Brasil, principal fornecedor de produtos industrializados do país. Economistas sustentam que o governo, em vez de criar novos conflitos com o Brasil, deveria ajudar a fortalecer o Mercosul contra a invasão chinesa. "O Brasil é o principal fornecedor estrangeiro de produtos industrializados para o mercado argentino", explica Maurício Claveri, especialista em comércio exterior da consultoria Abeceb. "Mas a China está ganhando de forma crescente muita participação na Argentina." As exportações chinesas foram as que mais avançaram no país, a taxa de 30% a 40% anual. Há três anos, a China exportava seis vezes menos que o Brasil para o mercado argentino. "Mas, no primeiro trimestre deste ano, a China exportou para a Argentina duas vezes e meia a menos que os exportadores brasileiros." Mesmo antes de a crise mundial se agravar, a Argentina já acumulava diversos problemas internos, e aplicou uma série de medidas protecionistas no início de 2008. O leque de proteções engloba de licenças não-automáticas, valores critério, direitos antidumping e cotas. "A exigência de licenças prévias praticamente zerou nossas exportações para a Argentina a partir de abril", contou o diretor de relação com investidores da brasileira Teka, Marcelo Stewers. Ele explica que a produção dos pedidos feitos pelos argentino apenas é iniciada com a liberação da licença. "Neste trimestre apenas um cliente conseguiu a licença. A situação está bastante difícil." A dona da camisaria Dudalina, do sul do Brasil, Sônia Hess, conta que as licenças têm demorado até 90 dias para serem concedidas. "Conheço lojas na Argentina de dois andares que hoje estão trabalhando em apenas um por causa do desabastecimento de produtos", afirma ela, destacando que moda está associada ao tempo. "Trabalhamos com base nas estações. Se demora três meses para conceder a licença, meu produto pode chegar quando a estação acabou. Isso é um absurdo." Com a imposição dessas medidas protecionistas, a presidente Cristina espera conter os efeitos da crise no País. Na sexta-feira passada, ela afirmou que a Argentina não está sendo afetada pela recessão, mas admitiu que o país "crescerá menos". "Mas vamos crescer. De forma alguma entraremos em recessão." Cristina não deu números sobre o eventual desempenho da economia neste ano. Mas, até duas semanas atrás, seus ministros afirmavam que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceria pelo menos 4%. No entanto, analistas afirmam que o PIB argentino em 2009 terá queda abrupta. Segundo o economista Daniel Artana, da Fundação de Investigações Econômicas Latino-americanas (FIEL), o PIB cairá 4%. CELULARES Os celulares fabricados no Brasil - entre outros produtos eletrônicos estrangeiros - também estão na mira do governo, por meio de impostos internos que seriam aplicados por uma lei que será debatida na quarta-feira na Câmara de Deputados. O projeto do governo implica aumentar os tributos para os produtos eletrônicos importados e de montagem local realizadas na área continental da Argentina, além de uma alta do Imposto de Valor Agregado (IVA) para o setor. Dessa forma, o preço dos eletrônicos subiria em 34%. A província de Tierra del Fuego, ilha onde está a maior zona franca do país, ficaria excluída. O projeto enfrenta a oposição dos importadores e das empresas argentinas no continente. No primeiro trimestre, a Argentina importou US$ 185 milhões em celulares, sendo U$ 93 milhões do Brasil. Enquanto isso, os calçados brasileiros acumulam uma década de barreiras na Argentina. As barreiras contra calçados brasileiros começaram a ser aplicadas em 1999 por meio de licenças não-automáticas. Em 2005, o sistema foi reforçado, transformando-se em "um verdadeiro comércio administrado", segundo Juan Dumas, presidente da Câmara de Produção e Comércio Internacional de Calçados (Capcica), que engloba multinacionais do calçado, rival da Câmara da Indústria do Calçado (CIC), onde se concentra o lobby protecionista. "As licenças para liberar a entrada dos calçados podem demorar um máximo de 180 dias." Dumas indicou que "as licenças não-automáticas não deveriam existir entre os países membros do Mercosul. Não há dúvida que esse instrumento está sendo usado como uma ferramenta de política econômica. O governo está tentando compensar a recessão por meio de menores importações. O mercado argentino em 2008 foi de 136 milhões de pares. Do total, o país importou 31,1 milhões de pares. Desses, 18,6 milhões eram fabricados no Brasil. Esses representaram 59,8% do total das importações.Mas, no contexto geral do mercado argentino, os calçados brasileiros tiveram a fatia de 13,7%. Segundo relatório da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), desde junho de 2008, um total de 4,1 milhões de pares brasileiros deixaram de ser embarcados para Argentina por causa das barreiras de Cristina Kirchner. COLABOROU RENÉE PEREIRA

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