Publicidade

As coisas melhoram, mas podem piorar

Por Marco Antonio Rocha
Atualização:

Economistas, brasileiros e estrangeiros, proclamam desde a semana passada que a crise econômica internacional já era... Acabou de acabar! Levando em conta os erros de avaliação e previsão desses profissionais - alguns, com a maior cara de pau, saem para o abraço como se tivessem marcado gol de placa -, seria o caso de dizer, bom... é aí que mora o perigo. Mas como jornalistas, apenas, não vamos nos meter a dizer que estão errados e que a crise não acabou. Com base em que faríamos esse prognóstico? Com base em nada. Assim como não havia base nenhuma para dizer - antes de ocorrer - que o estouro do Lehman Brothers, em setembro do ano passado, poria o mundo financeiro e grande parte da economia mundial de cabeça para baixo. Pode ser, é claro, que haja algum whishful thinking nessa maré de bons vaticínios. É que uma crise econômica é tão aflitiva, desconstrutiva e desesperançadora, que leva as pessoas, mesmo extremamente racionais e frias - como deve ser o caso de economistas - a procurar os mínimos sinais de melhorias para neles se agarrarem. Um desses sinais, na semana passada, foi a decisão anunciada pelo Federal Reserve (Fed), dos EUA, no seu comunicado, de manter a taxa do juro básico numa margem de zero a 0,25% (ao ano, vejam bem, não estamos falando de Brasil aqui) e de prorrogar até outubro o programa de compras de US$ 300 bilhões em títulos do Tesouro americano: "A atividade econômica está se recuperando", dizia o comunicado. Mas o presidente Barack Obama, mesmo sem ser economista, já havia dito isso na semana anterior. O mercado reagiu bem à análise do Fed, os índices das três principais bolsas americanas se elevaram e, segundo os jornais, os debates deixaram de ser sobre o aprofundamento da crise e passaram a ser sobre o prazo de recuperação. Depois veio da Europa a notícia de que as duas maiores economias da zona do euro - a da Alemanha e a da França - apresentaram resultado positivo no terceiro trimestre do ano: 0,3% de crescimento. Pode parecer pouco, mas é bom para os padrões de crescimento de países já desenvolvidos, e, melhor do que isso, quebrou a rotina de quatro trimestres seguidos de queda. São fatos que ajudam a desanuviar o horizonte. Isso é muito importante, pois o mundo econômico-financeiro moderno olha mais para o horizonte do que para o que está debaixo dos pés. Foi por isso, aliás, que se desencadeou a crise - o horizonte dos créditos imobiliários subprime concedidos nos EUA não estava límpido. Isso derrubaria a cotação das ações das instituições financeiras, o que afugentaria o capital das bolsas de valores, o que tornaria o crédito futuro muito mais difícil e caro - enfim, foi um monte de coisas no horizonte das expectativas que paralisou a economia mundial. E não algum fato econômico catastrófico, como uma imensa quebra de safra, uma imensa onda de falências de empresas industriais, uma terrível queda de vendas em todos os mercados, uma guerra monumental que travasse os mares e impedisse as exportações. Nada disso aconteceu. Apenas se esfumaçou a crença de que as bolsas continuariam subindo. De qualquer forma - crise apenas de expectativas ou não -, as consequências foram graves para a economia real. Então, sem dúvida, uma reversão de expectativas, que é o que parece ocorrer no momento, pode reanimar a economia real. Claro que quem perdeu emprego e continua sem ele, ou quem procurava emprego e não encontrou, vai demorar ainda para acreditar nisso. É aí que a questão do prazo de recuperação da economia se encaixa. A Grande Depressão, de 1929, durou cerca de sete ou oito anos. E a economia mundial só saiu do buraco pagando o alto preço, em termos humanos, da 2ª Guerra Mundial. Então a pergunta é: em que ponto estamos agora? Economistas gostam de traçar cenários. O professor Otaviano Canuto fez uma comparação interessante entre a Grande Depressão e a atual crise financeira global. Ele trabalha com um grupo, no Banco Mundial, que analisa políticas de redução da pobreza e de administração econômica. No estudo apresentado no 65º Congresso Anual do Instituto Internacional de Finanças Públicas, em Cape Town, África do Sul, ele contempla os possíveis cenários de recuperação, basicamente quatro: de reativação rápida, superando a linha de crescimento econômico do passado recente, pré-crise; de um crescimento mais moderado, pós-crise; de estagnação da economia; e de um segundo mergulho na recessão. Isso não pode ser descartado. A crise deixa problemas que, se não forem devidamente detectados e atacados, promovem sua recidiva. Ele apresentou, também, didaticamente, as principais diferenças entre a crise atual e a de 1929, em resumo: maior peso, atualmente, dos países em desenvolvimento; maior participação do setor de serviços na atividade econômica global; mudanças na estrutura do comércio mundial; e, particularmente, respostas diferentes de políticas monetária e fiscal e do setor financeiro. O Brasil entrou na crise mais bem preparado para enfrentá-la do que muitos países. Só teve de apertar um pouco as políticas que já havia adotado desde o governo Fernando Henrique para lidar com a sua própria crise financeira: política fiscal ajustada, política monetária conforme o manual, sistema bancário fortalecido e reservas cambiais elevadas. Sem falar nas políticas anticíclicas que já estavam em vigor: Bolsa-Família, reajustes reais do salário mínimo e das aposentadorias; crédito consignado; etc. Por isso o baque foi menos duro por aqui. Mas aconteceu, sim. E a recidiva será mais provável do que a recuperação continuada, se o governo prosseguir na linha de pouco-caso com as contas fiscais que adotou neste ano, em função de ganhar as eleições no ano que vem. *Marco Antonio Rocha é jornalista. E-mail: marcoantonio.rocha@grupoestado.com.br

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.