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As demandas sobre o novo Grande Pai

Por Marco Antonio Rocha
Atualização:

Amanhã Barack Obama toma posse como o 44º presidente dos Estados Unidos. Dele se esperam duas coisas: 1) Que salve a economia mundial; e 2) que salve a imagem mundial dos Estados Unidos. São de bom tamanho essas duas demandas? E vejam que ele nem usa roupa azul com um "S" vermelho no peito... Mas grande parte da imprensa mundial proclama que são essas as expectativas da humanidade em relação ao novo Number One. Bem, digamos que sejam pelo menos as da pequena parcela da humanidade que lê jornais - a elite branca, como diria um ex-prefeito paulistano (ou elite negra, ou amarela, ou vermelha, ou cor de azeitona...) -, das elites, enfim. O restante, a vasta maioria, nem está aí para o que Obama faça ou deixe de fazer, caso saiba quem ele é. Sem dúvida, ele sabe que é isso que as elites esperam que faça. De quebra, que resolva o conflito entre Israel e o Hamas e devolva a paz à Faixa de Gaza. Qualquer governante estreante - que não se chame Hugo Chávez - sentir-se-ia intimidado diante de semelhantes tarefas. A sorte é que, depois dos oito anos de desatino e burrice consumada de George W. Bush - que passará à história, aliás, já está nela, como o mais desastrado de todos os presidentes dos Estados Unidos da América -, há um enorme voucher de boa vontade entregue a Obama, pelos cidadãos americanos e por muitos cidadãos do mundo. Até agora, no entanto, não há nada em que se pegar para crer que ele será bem-sucedido, ao menos em parte, nesses trabalhos de Hércules que o mundo lhe propõe. O Plano Americano de Recuperação e Estímulo, da ordem de US$ 775 bilhões, cujas linhas gerais ele divulgou há quase duas semanas, exortando com palavras veementes o Congresso americano a aprová-lo - "se nada for feito, essa recessão vai se prolongar por anos (e) o índice de desemprego poderá chegar a dois dígitos" -, provocou algum frisson nas bolsas de valores naquele momento, mas nada mais que isso. Na verdade, passados alguns dias, começou a ser criticado como insuficiente e mal focado. Um desses críticos é ninguém mais, nem menos, que o recém-laureado com o Prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman. Na visão dele, o plano Obama não preenche mais do que metade do que ele chama de "lacuna produtiva", ou seja, a diferença entre o que a economia americana é capaz de produzir - e estava realmente produzindo antes da atual crise - e o que ela está produzindo agora, com a queda da demanda e o aumento do desemprego. Não esquecendo que essa "lacuna" vai crescendo com o passar dos dias e se autoalimenta. Mas os problemas a serem enfrentados por Obama não são apenas se o plano - cujo detalhamento, aliás, não tinha sido divulgado até a última sexta-feira - será aprovado no Congresso, onde ele conta com maioria, mas não com carta branca, ou se é de tamanho suficiente para deter a queda da economia e dar início à sua recuperação. Na verdade, não é bem por falta de dinheiro, de financiamentos, que esse encolhimento se impôs nas principais economias do mundo e começa a se impor no Brasil. O problema básico é de perda de fé. Não riam, por favor. Não se trata de perda de fé em algum deus ou em algum credo religioso. Ao contrário, em tempos difíceis esse tipo de fé até aumenta e se reforça. A fé que balançou seriamente foi a fé no crescimento econômico e, portanto, no lucro que se pode tirar disso. A incerteza sobre o que pode ser um bom negócio nos tempos que correm; a desconfiança em relação às instituições que supostamente canalizavam de maneira honesta os investimentos; a evidência, surgida na crise, de que governos e autoridades se mostraram ineptos, negligentes e relapsos na tarefa precipuamente governamental de velar pela moralidade no mundo das finanças, afastando o aventureirismo e punindo exemplarmente a gestão temerária - tudo isso corroeu a confiança, a vocação para investir e elevou a aversão ao risco. A mais fácil tarefa de Obama talvez seja a de aprovar cortes de impostos e verbas para empresas e famílias, no Congresso. O duro mesmo vai ser restabelecer a fé de investidores, bancos, consumidores e agentes econômicos em geral - a fé nos investimentos. Isso exige muito mais do que boa oratória, ternos elegantes, passos firmes, olhar altaneiro e autoestima. Exige capacidade de liderança, coisa que não nasce como urtigas e só se forja nos grandes desafios, como os que ele vai enfrentar. Seu estúpido antecessor jogou no lixo uma oportunidade de ouro para forjar uma liderança mundial, que o destino lhe propiciou por obra de outro estúpido: Osama bin Laden. Sua mentalidade tacanha lhe disse que a resposta a Bin Laden era a vingança - e nela embarcou, cercado pela inépcia dos energúmenos que o assessoravam. O que deixa ao sucessor a oportunidade de mostrar sua capacidade de liderança, retirando seu país da confusão no Iraque e no Afeganistão. Isso, por sinal, faria parte da outra grande demanda que pesa sobre Barack Obama: a de salvar a imagem mundial deteriorada do seu país. De novo, aí, o importante não são apenas dinheiro, relações comerciais, investimentos ou algo no gênero. O que importa é liderança baseada na persuasão, na reafirmação e no apego autêntico aos valores com que a democracia americana se credenciou aos olhos da humanidade e há bastante tempo abandonados por seus governantes. O exercício, enfim, de um "poder inteligente", proposto por Hillary Clinton, cujo conteúdo ainda não sabemos qual é (e, certamente, ela também não sabe), mas que vale a pena imaginar que seja exatamente o inverso do "poder burro" que marca a política externa de presidentes americanos desde há tempo demais - pelo menos desde que ficaram livres do fantasma do comunismo. *Marco Antonio Rocha é jornalista. E-mail: marcoantonio.rocha@grupoestado.com.br

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