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As dimensões do desastre em Mariana

Por José Galizia Tundisi , Virgínia S. T. Ciminelli e Francisco A. R. Barbosa
Atualização:

O grande desastre ambiental em Mariana (MG), com o rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro, tem múltiplas e complexas dimensões. Uma dessas dimensões, de grande impacto, é a deterioração ambiental do Rio Doce, com alterações graves no sedimento do rio, na fauna e na flora aquáticas e na qualidade da água. A perda de negócios e de competitividade para atrair investimentos, decorrente da deterioração ambiental, tem repercussões importantes no desenvolvimento econômico e na geração de empregos de toda a região afetada. Quando ocorrem estes desastres, há processos cumulativos que vão se sucedendo no espaço e no tempo. O acidente causou enorme perda de serviços do ecossistema do rio: abastecimento de água, pesca, efeitos na circulação das águas e nas águas costeiras, biodiversidade. A contaminação remanescente, que pode durar muitos anos, é impacto cumulativo, que por décadas afetará a biodiversidade, as cadeias alimentares e a capacidade produtiva do rio. As perdas no abastecimento público de água, com a impossibilidade do uso do Rio Doce, são consideráveis: o abastecimento por carros-pipa e outros meios pode não ter controle de qualidade eficiente, podendo causar doenças. O processo de avaliação de impacto ambiental do rompimento da barragem deve ser feito com visão sistêmica da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, incluindo todas as possíveis conectividades e interações entre os componentes físicos, químicos, biológicos, sociais e econômicos. Avaliações parciais e setoriais dos impactos não vão aprofundar o diagnóstico. Na avaliação de impacto é importante um estudo detalhado e profundo do desastre na economia regional. Muitos municípios na região de mineração dependem do funcionamento dos sistemas de exploração mineral para se desenvolver. Além desta perda, a avaliação deve considerar os efeitos na economia regional da bacia e dos municípios a jusante. E há um componente de alta complexidade, fundamental: a avaliação do impacto na saúde humana da população urbana, ribeirinha, de vilas e fazendas. Após a etapa de avaliação do impacto é preciso desenvolver, rápido e após detalhada análise crítica de todo o conjunto, um projeto de recuperação da Bacia do Rio Doce, e não só da calha do rio. Rios dependem de tributários para seu funcionamento adequado, e recuperar a bacia é essencial – e a Bacia do Doce já vinha sofrendo inúmeros impactos nos últimos 20 anos. A tragédia de Mariana, apesar de sua magnitude e do sofrimento humano e ambiental causado, pode ser uma grande oportunidade para a contribuição da comunidade científica, empresarial e governamental na recuperação da Bacia do Rio Doce. A revitalização dela há muito é devida. Tratamento de esgotos, recuperação da cobertura vegetal nativa, aproveitamento e reciclagem dos resíduos de mineração e proteção de mananciais são oportunidades que podem e devem ser exploradas, abrindo novas possibilidades de geração de emprego, renda e serviços. O desastre pode ser a motivação para um grande projeto de recuperação socioambiental e econômica. Há outras lições que devem ser aprendidas: o Brasil ainda não encontrou o ponto de equilíbrio entre exploração de recursos naturais, desenvolvimento econômico e sustentabilidade. Há iniciativas na área governamental (governo federal, Estados e municípios, iniciativa privada, terceiro setor), mas não há um modelo e um projeto mobilizador de nação de longo prazo. A tragédia gerada pelo desastre de Mariana só espelha a falta de fiscalização, de planejamento estratégico e a incapacidade de prevenir impactos desse porte. Trata-se de mais um alerta de grande magnitude da necessidade de um poder público capacitado e atuante na defesa dos interesses da sociedade. Outros países, como Japão e EUA, conseguiram rapidamente minimizar os efeitos dos desastres e avançar muito na gestão e prevenção com investimento científico e conhecimento com visão sistêmica. Que a tragédia de Mariana sirva de alerta e lição!

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