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As fronteiras da doença holandesa

Por Paulo R. Haddad
Atualização:

Define-se "a doença holandesa" como uma situação em que a taxa de câmbio de um país passa por um processo de valorização porque esse país estaria exportando, predominantemente, produtos intensivos em recursos naturais, abundantes e de baixo custo, os quais lhe garantiriam vantagens comparativas internacionais. A intensidade dessa valorização cambial poderia ser tanto maior quanto melhores fossem as condições de preços relativos desses produtos no comércio internacional. Como esses produtos podem ter maior ou menor peso dos recursos naturais, na composição final do seu preço CIF de venda, resta saber como identificar as fronteiras que marcam a predominância desses produtos na balança comercial de um país. A complexidade da demanda global por certas especificações de qualidade dos produtos de origem primária (zoossanidade, fitossanidade, manejo sustentável, logística, rastreamento via satélite, engenharia financeira, certificação, etc.) leva a que esses produtos tenham maior intensidade de capitais intangíveis (humano, conhecimento tecnológico, institucional, etc.) do que um grande número de produtos industrializados tradicionais, reproduzidos em regime de economia tradicional. Ou seja, os produtos primários, que chegam na ponta da demanda final, carregam um elevado conteúdo de fatores especializados do tipo man-made. Por exemplo, para retirar uma tonelada de minério de ferro de Carajás e concorrer com o minério da Índia no mercado da China, é preciso ter mais do que matéria-prima bruta na ponta da linha. Da mesma forma, há mais tecnologia moderna, de processo e de gestão, na proteína animal que compõe a nossa pauta de exportações do que a confecção industrial sem design, sem diferenciação, sem observatório de mercado, etc., que tem origem em diversos Arranjos Produtivos Locais (APLs) do País. Mesmo que por unidade do PIB haja uma menor intensidade de recursos naturais nas economias modernas, tende a crescer o volume da demanda global por bens e serviços direta e indiretamente relacionados com a base de recursos naturais. Esse crescimento pode ocorrer de forma acelerada e sustentada, a partir de expressiva entrada de países como a China e a Índia no mercado mundial de bens e serviços; da persistência do longo ciclo de prosperidade nos países industrializados; e da melhoria da distribuição da renda em muitos países em desenvolvimento. Neste caso, mesmo considerando a ocorrência de alguns anos de volatilidade nos seus mercados, com implicações adversas em seus preços relativos no curto prazo, é possível pensar até na atenuação da tradicional tendência de uma deterioração nas relações de troca desses bens e serviços, ao longo dos próximos lustros. Os maiores benefícios líquidos que a sociedade brasileira pode extrair de sua base de recursos naturais, em lugar de amaldiçoá-los, ficam na dependência de seu comprometimento com as ações efetivas de um processo de planejamento estratégico de médio e de longo prazos. Pode abdicar deste comprometimento, adotar uma posição passiva e assistir à destruição predatória de seu capital natural, com graves conseqüências sobre as perspectivas de crescimento econômico e os interesses das futuras gerações do País. Ou pode construir uma nova trajetória de desenvolvimento, em que os recursos naturais venham a se constituir em elementos pivotais de um novo ciclo de expansão que seja, de forma simultânea, economicamente eficiente, socialmente justo e ambientalmente sustentável. A adição de valor econômico aos materiais brutos, por meio de estratégias de diferenciação e de diversificação de produtos, permite gerar poderosas cadeias produtivas a partir de vantagens competitivas dinâmicas de natureza locacional. Uma das contribuições da mineração para o desenvolvimento nacional e regional do Brasil, por exemplo, é a de ser o elo articulador de setores-chave da nossa economia (siderurgia, metalurgia, etc.) que têm a capacidade de potencializar ciclos de expansão de maior grandiosidade para a geração de renda, de emprego, de tributos e de excedentes exportáveis no País. Finalmente, fica até mesmo a dúvida se o nível da taxa de câmbio necessário para viabilizar a competitividade de alguns dos setores industriais do País não teria impactos excessivamente inflacionários numa economia crescentemente aberta como a brasileira. *Paulo R. Haddad, professor do Ibmec, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar

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