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As incertezas da retomada do trabalho

Na travessia até o recomeço, será crucial preservar as empresas e apoiar os informais e os empregados formais

Por José Pastore
Atualização:

As perguntas que os jornalistas me fazem nos dias atuais são muito difíceis. Eles querem saber quantos brasileiros ficarão sem trabalho em decorrência da pandemia. Indagam se as Medidas Provisórias 927 e 936 serão suficientes para garantir o emprego e a renda dos empregados formais. Questionam se os R$ 600,00 mensais compensam o que os trabalhadores informais estão perdendo por não trabalhar.

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A dificuldade para responder a essas perguntas decorre em grande parte das incertezas no campo médico. Os médicos confessam saber pouco sobre a covid-19, por se tratar de uma doença nova. Não têm certeza se os doentes curados terão imunidade garantida, sugerindo a possibilidade de um segundo ou terceiro surtos de infecção. Estão inseguros para dizer qual é o melhor sistema do desconfinamento. Deixam dúvidas sobre a eficácia dos testes hoje existentes na identificação de diferentes graus de risco.

A depender de cada resposta do campo médico, teremos diferentes impactos no mercado de trabalho. Os epidemiologistas recomendam desconfinamentos tentativos para verificar o seu impacto no nível de infecção e na taxa de letalidade. Isso significa que a volta ao trabalho pode ser marcada por idas e vindas, o que caracterizaria uma retomada em W, e não em V, como todos desejam. A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que a pandemia está longe de acabar e que a necessidade de quarentenas, ainda que parciais, deve se arrastar até o fim de 2020 e entrar em 2021.

A liberação gradual para o trabalho está sendo adotada em países da Europa. Lá também as autoridades sanitárias estão tateando o terreno, ficando de prontidão para modificar ou cancelar a liberação autorizada. A Alemanha, por exemplo, viu crescer a infecção depois de uma liberação bastante cautelosa. O recuo foi inevitável.

Enquanto não houver vacina específica e medicação eficaz, os países viverão neste estado de incerteza. Num país grande, diversificado e desigual como o Brasil, o recomeço do trabalho demandará cuidados ainda maiores. Na travessia para chegar àquele ponto serão cruciais a preservação das empresas, o apoio aos empregados formais e aos trabalhadores informais.

As medidas adotadas pelo governo brasileiro tanto na área econômica como na trabalhista estão na direção certa e devem dar fôlego a muitas empresas e aliviar o sofrimento de empresários e trabalhadores. Superada a travessia, a volta ao trabalho terá de ser bem planejada e bem executada com a previsão de mudanças de ritmo ao longo do processo. Uma volta mal planejada e desordenada pode se tornar a mais curta de todas as voltas em decorrência de novos surtos de infecção e óbitos.

No retorno ao trabalho, empresários e trabalhadores, é obvio, precisam estar protegidos por um controle sanitário rigoroso nos ambientes de trabalho. A aplicação extensiva de testes eficazes será crucial para separar as pessoas de diferentes condições de saúde e graus de risco. Finalmente e não menos importante, a conversão rápida das Medidas Provisórias 927 e 936 em leis ordinárias é crucial para dar segurança jurídica às empresas que buscam adotar suas regras.

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Respeitadas essas condições, quantos ficarão sem trabalho? Não sei. Mesmo porque estou sem estatísticas para me guiar. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) terminou em janeiro e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) está suspensa. Os que dizem saber o que vai acontecer têm estimativas que variam de 14 milhões a 27 milhões de desocupados até o fim de 2020. Uma catástrofe. Realmente, este vírus é maldoso e competente.

*PROFESSOR DA FEA-USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, É PRESIDENTE DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP