Por toda a parte, especialmente no Ocidente, estouram manifestações de indignação das classes médias. Para cada caso há uma explicação corrente ou, mesmo, nenhuma. É o salário achatado, é o uso crescente de tecnologia que derruba a utilização de mão de obra, é a importação de produtos asiáticos mais baratos, a corrupção das elites, a incompetência dos governos e, em alguns casos, o maior afluxo de imigrantes. Seria uma espécie de malaise dos nossos tempos, como diriam os franceses.
São explicações parciais e até mesmo ilusórias, como atribuir um acidente de automóvel ao vento excessivo, a um buraco na pista, a uma eventual barbeiragem do condutor à frente. Vai que a principal causa é mesmo a falta de freios ou a velocidade excessiva.
No caso dessa grande onda de indignação que se espraia pelo mundo, a principal causa tem de ser buscada em outras paragens. Ao longo dos últimos 100 anos, os Estados prometeram farta distribuição de benefícios sociais que agora não conseguem entregar. Daí o desemprego crescente, especialmente entre os jovens; a aposentadoria insatisfatória e, mais do que isso, ameaçada; os serviços precários de saúde, de educação e de segurança; e a exasperante falta de perspectivas.
O Estado socialista falhou pelas razões já conhecidas e já ninguém mais conta com o paraíso prometido que viria com a ditadura do proletariado. Em nenhum momento conseguiu materializar seu objetivo sintetizado na frase de Louis Blanc: “De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades”. Ficaram as cicatrizes, algumas das quais visíveis na Alemanha, que agora comemora os 30 anos da queda do muro de Berlim.
O Estado do bem-estar social, por sua vez, comandado pelos regimes social-democratas ou mesmo pelo capitalismo neoliberal, também prometeu trabalho bem remunerado para todos, farto seguro-desemprego, aposentadoria digna, excelência na prestação de serviços de saúde e educação, infraestrutura de qualidade e tudo o mais. Mas também não consegue cumprir o combinado. Por toda parte, o aumento da renda (PIB) é rastejante, a arrecadação está comprometida, os Tesouros, quase quebrados e os serviços públicos, em franca deterioração.
Diante da falta de soluções fáceis e em ambientes cada vez mais destituídos de racionalidade, os aproveitadores de sempre apontam os culpados que encontram à mão. Daí por que de Norte a Sul espocam movimentos populistas e xenófobos e propostas carregadas de nacionalismo cego, que põem em risco o funcionamento dos sistemas democráticos e alimentam autoritarismos de todo o tipo.
Também não é verdade que a causa de todos os males seja o aumento da pobreza e a concentração de renda. Na Ásia, por exemplo, em apenas duas décadas quase meio bilhão de pessoas foram resgatadas da miséria. E aqui no Brasil os governos não vêm proporcionando os direitos e benefícios consagrados na Constituição de 1988. Ainda assim, até mesmo os governos do PT vinham alardeando melhora de vida das populações de mais baixa renda. Lá fora e aqui, na média, as pessoas vivem mais e melhor do que nos anos 50. Ainda é pouco diante do caminho a percorrer, mas não dá para negar os avanços.
A concentração de renda é, sim, um problema. Mas convém não esperar demais de amplas e profundas políticas de redistribuição, ainda que venham a ser colocadas em prática. Se os 10% dos mais ricos do mundo fossem expropriados e seu patrimônio redistribuído, não caberia mais do que uma canequinha para cada um.
Este é momento de grande déficit de utopias, o conjunto de ideias e propostas que movimentam a humanidade ao longo da História. E não será a mensagem dos autoritários da hora que preencherão essa e outras lacunas. Por isso, terão fôlego curto. Mas até que sejam definitivamente desmoralizados, a democracia poderá sair seriamente avariada.
No passado, situações tão aflitivas como a atual eram resolvidas com guerras, que se encarregavam de remontar o equilíbrio possível. Agora, no entanto, esse recurso envolve riscos nunca dantes enfrentados, porque a desova dos arsenais nucleares poderá destruir tudo, até mesmo a esperança.
Não há quem hoje seja capaz de apontar para saídas fáceis. Mas, quaisquer que sejam elas, terão de reduzir as expectativas da população aos verdadeiros tamanhos dos Estados.